quarta-feira, 23 de junho de 2010

Mauro Santayana - Artigos





Mediafire
Coletânea de artigos desse excepcional Jornalista!

Biografia:

Mauro Santayana


Mauro Santayana (Minas Gerais, 1932) é um jornalista brasileiro.

Embora tenha estudado apenas até o segundo ano do antigo primário, o equivalente ao atual terceiro ano do ensino fundamental, ocupou, como jornalista, cargos destacados nos principais órgãos de imprensa brasileiros, especialmente na mídia impressa, como Folha de S. Paulo, Gazeta Mercantil e Jornal do Brasil, no qual mantém uma coluna sobre política. Também escreve regularmente para a Carta Maior e é comentarista de televisão.
Vida política:
Em 1964, ano do golpe militar no Brasil, colaborava com o embaixador Mário Palmério, no Paraguai, nas negociações para a implantação da hidrelétrica de Itaipu. Exilou-se, então, durante mais de dez anos, no Uruguai, no México, em Cuba, em Praga, na Checoslováquia. Trabalhou como jornalista e chefe das emissões em português da Rádio Havana, em 1966, e como comentarista político da Rádio Praga, entre 1968 e 1970. Em Bonn, na Alemanha, foi correspondente do Jornal do Brasil (1970 - 1973).

Integrou a Comissão de Estudos Constitucionais do Ministério da Justiça, que elaborava propostas para os constituintes.

Conselheiro e amigo de Tancredo Neves, foi o responsável pela articulação da campanha presidencial do então governador mineiro, representando-o em São Paulo.
Livros publicados:

* Conciliação e transição: as armas de Tancredo
* Dossiê da guerra do Saara
* Repórteres (obra coletiva).

sábado, 19 de junho de 2010

José Saramago,Este Mundo da Injustiça Globalizada.






Áudio da entrevista de Saramago ao Programa Roda Viva em 1997.
Link

Texto lido no encerramento do Fórum Social Mundial de 2002.

Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um facto notável da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos
arredores de Florença há mais de quatrocentos anos.
Permito-me pedir
toda a vossa atenção para este importante acontecimento histórico
porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do
episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não
tarda.

Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de
súbito se ouviu soar o sino da igreja.
Naqueles piedosos tempos (estamos
a falar de algo sucedido no século XVI) os sinos tocavam várias vezes
ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza,
porém aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era
surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se
encontrasse em vias de passamento. Saíram portanto as mulheres à rua,
juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e
em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de
que lhes dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns
minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e
um camponês aparecia no limiar.

Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos
lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto.
"O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino", foi a resposta do
camponês. "Mas então não morreu ninguém?", tornaram os vizinhos, e o
camponês respondeu: "Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a
finados pela Justiça porque a Justiça está morta."

Que acontecera? Acontecera que o ganancioso senhor do lugar (algum conde ou
marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de sítio os
marcos das estremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena
parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada. O lesado
tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e
finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à protecção
da justiça. Tudo sem resultado, a expoliação continuou. Então,
desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi (uma aldeia tem o exacto tamanho do mundo
para quem sempre nela viveu) a morte da Justiça.

Talvez pensasse que o seu gesto de exaltada indignação lograria comover e pôr a
tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e
costumes, que todos eles, sem excepção, o acompanhariam no dobre a
finados pela morte da Justiça, e não se calariam até que ela fosse
ressuscitada. Um clamor tal, voando de casa em casa, de aldeia em
aldeia, de cidade em cidade, saltando por cima das fronteiras, lançando
pontes sonoras sobre os rios e os mares, por força haveria de acordar o
mundo adormecido... Não sei o que sucedeu depois, não sei se o braço
popular foi ajudar o camponês a repor as estremas nos seus sítios, ou se
os vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta,
regressaram resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida
de todos os dias. É bem certo que a História nunca nos conta tudo...

Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma
campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de
seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se
aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e
continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos
falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está
matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido
para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o
que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente
justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com
flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem
os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre
corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma
justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo
seria o mais exacto e rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que
chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como
indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos
tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas
também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da
própria sociedade em acção, uma justiça em que se manifestasse, como um
iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada
ser humano assiste.

Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger aqueles que morriam. Tocavam também para assinalar as horas
do dia e da noite, para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e
houve um tempo, não tão distante assim, em que o seu toque a rebate era o
que convocava o povo para acudir às catástrofes, às cheias e aos
incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que ameaçasse a comunidade.
Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao cumprimento das
obrigações rituais e o gesto iluminado do camponês de Florença seria
visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso
de polícia.

Outros e diferentes são os sinos que hoje defendem e afirmam a possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça
companheira dos homens, daquela justiça que é condição da felicidade do
espírito e até, por mais surpreendente que possa parecer-nos, condição
do próprio alimento do corpo. Houvesse essa justiça, e nem um só ser
humano mais morreria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para
uns, mas não para outros. Houvesse essa justiça, e a existência não
seria, para mais de metade da humanidade, a condenação terrível que
objectivamente tem sido. Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando,
cada vez mais forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de
resistência e acção social que pugnam pelo estabelecimento de uma nova
justiça distributiva e comutativa que todos os seres humanos possam
chegar a reconhecer como intrinsecamente sua, uma justiça protectora da
liberdade e do direito, não de nenhuma das suas negações.

Tenho dito que para essa justiça dispomos já de um código de aplicação prática
ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra
consignado desde há cinquenta anos na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, aquelas trinta direitos básicos e essenciais de que hoje só
vagamente se fala, quando não sistematicamente se silencia, mais
desprezados e conspurcados nestes dias do que o foram, há quatrocentos
anos, a propriedade e a liberdade do camponês de Florença. E também
tenho dito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal qual se
encontra redigida, e sem necessidade de lhe alterar sequer uma vírgula,
poderia substituir com vantagem, no que respeita a rectidão de
princípios e clareza de objectivos, os programas de todos os partidos
políticos do orbe, nomeadamente os da denominada esquerda, anquilosados
em fórmulas caducas, alheios ou impotentes para enfrentar as realidades
brutais do mundo actual, fechando os olhos às já evidentes e temíveis
ameaças que o futuro está a preparar contra aquela dignidade racional e
sensível que imaginávamos ser a suprema aspiração dos seres humanos.

Acrescentarei que as mesmas razões que me levam a referir-me nestes termos aos
partidos políticos em geral, as aplico por igual aos sindicatos locais,
e, em consequência, ao movimento sindical internacional no seu conjunto.
De um modo consciente ou inconsciente, o dócil e burocratizado
sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, responsável pelo
adormecimento social decorrente do processo de globalização económica em
curso. Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calá-lo. E, ainda, se me
autorizam a acrescentar algo da minha lavra particular às fábulas de La
Fontaine, então direi que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o
rato dos direitos humanos acabará por ser implacavelmente devorado pelo
gato da globalização económica.

E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos para quem ela significaria, nas
circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e segundo a
expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o povo? Ouço
muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé comprovada, e a
outras que essa aparência de benignidade têm interesse em simular, que,
sendo embora uma evidência indesmentível o estado de catástrofe em que
se encontra a maior parte do planeta, será precisamente no quadro de um
sistema democrático geral que mais probabilidades teremos de chegar à
consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos. Nada
mais certo, sob condição de que fosse efectivamente democrático o
sistema de governo e de gestão da sociedade a que actualmente vimos
chamando democracia. E não o é. É verdade que podemos votar, é verdade
que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos
reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária,
escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que
da relevância numérica de tais representações e das combinações
políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará
um governo.

Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá
tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar,
mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível
sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e
a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à
parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de
acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem
comum a que, por definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é
assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não
nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de
democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela
pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos
passes e os gestos de uma espécie de missa laica.

E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos
governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos
portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em
meros "comissários políticos" do poder económico, com a objectiva missão
de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois,
envolvidas no açúcares da publicidade oficial e particular interessada,
serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos,
salvo os certas conhecidas minorias eternamente descontentes...

Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de
estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute
neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado
definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à
consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro,
se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras
discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos
torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e
as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida
política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder
económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que
nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência
digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com
menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e
todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se
engana. E assim é que estamos vivendo.

Não tenho mais que dizer. Ou sim, apenas uma palavra para pedir um instante de silêncio. O
camponês de Florença acaba de subir uma vez mais à torre da igreja, o
sino vai tocar. Ouçamo-lo, por favor.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Dori Caymmi e Renato Braz



"Na Ribeira Deste Rio"

Agradecendo ao "fabianoduncan",que postou este vídeo no orkut.