quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Nostalgias... (Trecho de carta) Hugo de Carvalho Ramos

Hugo de Carvalho Ramos nasceu em 21 de maio de 1895, em Vila Boa, então Capital do Estado de Goiás. Iniciou seus estudos na cidade natal e depois foi para o Rio de Janeiro, onde, em 1916, matriculou-se na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais. Em 1917, publicou Tropas e Boiadas,coletânea de contos que até hoje permanece como uma das obras goianas mais festejadas. Em 1920, estando prestes a concluir seu curso jurídico e, em crise de depressão, viaja ao interior de Minas Gerais e São Paulo. Em 31 de março de 1921, quando retorna ao Rio de Janeiro, suicidou-se, enforcando-se com uma corda de rede. Sempre presente na história da literatura pelo seu livro de contos, deixou poesias que mereceram inclusão no livro de Andrade Muricy sobre o Simbolismo.

Biografia: Tropas e boiadas (contos). Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1917; Obras completas de Hugo de Carvalho Ramos, São Paulo, Panorama, 1950, 2 v.

Já que vais brevemente à chapada, vê se ainda se encontra legivelmente o meu nome num
tronco novo de jenipapeiro que fica junto à casa do teu agregado (se é que ainda o manténs),
próximo a umas goiabeiras, e aí talhado por mim a última vez que lá estive. Olha, não te
esqueças de dar algumas tarrafadas ao poço do Periquito, de fundo aliás bem sujo e
garranchento; e também, ao do Mané Fulô, como diziam os caipiras, onde ia todas as tardes, a
comprida cana de pesca sobraçada, farnel d'iscas a tiracolo, descalço às vezes, peito descoberto
e em mangas de camisa quase sempre – tal o nosso Casimiro de Abreu dos Meus oito anos, – a
cantar velhas trovas nativas pelas estradas...
Era pelas férias, em tardes luminosas de que já não tenho notícias, pelos meses calorentos
de dezembro a março, quando o murici e a corriola, amadurecidos, embalsamavam o chapadão.
Passava a correr, saltando córregos, a tua espingarda ou outra qualquer ao ombro, às vezes só,
quase sempre acompanhado dum moleque, o Manuel ou o Raimundo do agregado, baixotes e
barrigudinhos, que se incumbiam da longa fieira de peixes quando de retorno.
Gralhas e acauãs guinchavam na galharada esguia dos cerradões, sobre o arvoredo denso
de ao pé dos córregos. Havia o trilo metálico das cigarras ao mormaço; e, galgando a outra
banda – com a chuvarada que descera brusca para de novo abrir-se o céu, diáfano e azulíneo, ao
sol glorioso, descambando além na Barra – preás levípedes, o olho reluzente e globoso de
roedor espreitando em torno, saíam assustadiços das moitas da beirada, atravessavam aos
pinchos a um tempo grotescos e graciosos a rampa d'argila vermelha, entranhando-se do outro
lado, no catingueiro recendente. Não raro, no emaranhado dos travessões de mato que aí cobrem
habitualmente o curso das ribeiras, uma caninana inofensiva e modorrenta passava entre os
cipoais, em coleios flexuosos, farfalhando as folhas secas derredor...
Apressava o passo, a gargantear velhos motivos da terra, ora esse dengoso Compadre
Chegadinho, dos batuques e muxirões da roça, ora aquela dolente melopéia do Baleador, tão
simples e evocadora:
Ê! baladô!...
Ê! baladô!...
Bateu bala na porteira,
A porteira não quebrou!...
Assim alegremente, fazia os dois quilômetros que nos separavam do poço onde dormiam,
no remanso das águas, os cardumes de avoadeiras e jeripocas sob as coivaras.
No Manuel Flor, tapera antiga que, como todas as taperas, diziam mal-assombrada, e de
que restavam apenas os moirões d'aroeira, carcomidos e negros, metia-me pelo atravancado dos
gravatás, goiabeiras silvestres, taquaral estralejante e o sarandi da beira do rio, tomava pelo
trilho inculto que levava à pedreira favorável, e aí, junto dum chiqueiro abandonado sob cujas
taquaras apodrentadas adensavam os mandis-chorões, desenrolava a linha, iscava o anzol,
impunha silêncio inviolável ao moleque, e eis-me todo entregue às emoções variadíssimas da
pescaria...
Voltávamos ao sítio pelo anoitecer, ao assomar a lua no quadrante turquesa e ouro,
quando caga-fogos e vaga-lumes luzeluziam nas baixadas, eu um tanto fatigado da caminhada,
mãos e rosto arranhados pelo cipoal, chupando às vezes o dedo dolorido duma ferroada de
jurupensém, mas pronto a recomeçar no dia seguinte, o Raimundo atrás, sopesando a grossa
cambada e nela discriminando já, com olho de dono, os bagres e lobós que lhe seriam como
prêmio adjudicados.
De longe, ouvia-se o rechinar lamuriento da gangorra no terreiro à frente, onde Vítor e os
primos tripudiavam contentes, os mais pequenos receosos e assustados dum trambolhão a um
pinote ou volteio mais rápido.

Caía sobre o Vermelho, que passava ao fundo, a grande, merencória tristeza da tarde.
Berravam nos cercados os bezerros. Piavam guaxos e joões-congos nas grimpas dos
jenipapeiros, onde ninhos caprichosos, ao feitio de compridas bolsas, balouçavam prenhes.
Mosquitinhos azoinantes e zumbidores enxameavam ao longo das tranqueiras, nas perebas dos
moleques, sobre a lombeira sarnosa da cachorrada, que, a bruscos estremeções do pêlo
arrepiado, gania relambendo-se entre palhas, no borralho.
Distante, na estrada da Barra, cargueiros passavam ajoujados e resfolegantes sob a carga
de mantimentos, em bruacas de couro cru, rumo da cidade e do mercado. Escutava-se o relho a
estalar ao longe, e a voz pigarrosa do caipira, batendo fogo, assoprando o chumaço da binga, a
incitar aos muxoxos a mulada:
– Ehú! Ehú! Ehú!... Crioulo!... Penacho!...
E mais além, aqui na mata, ali nos furados de jaraguá, jaós e perdizes correspondiam-se,
moduladas e dolentes as primeiras, subitâneas e estrídulas as outras, de lado a lado
rememorando a história pungentíssima de seu mútuo apartamento...
Anoitecia. A paz do sertão, sugestiva e boa, descia nos escampos solitários. Na mesa
tosca, ao canto da sala, fumegava a janta sobre a toalha alvacenta d'algodão, alumiada ao centro,
vagamente, pela candeia de três bicos, que se espevitava de vez em vez.
Surgiam o angu de caruru nos tigelões pintalgados, a feijoada, o ensopado de peixe, farto,
em travessas e pratos estanhados, rebrilhando à luz entre olhos de gordura. Ao lado, o garrafão
de caninha e o frasco de malagueta para os mais velhos, os que gostassem do condimento
rústico.
Empanturravam-se como pagãos que éramos, à primitiva moda e ao apetite das velhas
colônias...
Que rica bóia e depois que rico sono, aquele que nos surpreendia pela volta das nove, ao
tempo que se contava ainda na fieira dos anos onze, doze, treze primaveras apenas!
Não raro, o caseiro do sítio, forte e desempenado em sua robustez de oitenta anos – o
braço mais rijo e feroz dos eitos da roça três léguas derredor – vinha para a soleira da porta,
encapotava-se banzento ao batente, acendia um cigarrão, e, a cabeça nevando ao luar como
capucho d'algodoeiro, punha-se a devanear, baforando... Cercávamo-lo todos, grandes e
pequenos.
Eram sempre histórias antigas, das passadas eras do Império e presídios do Araguaia.
Ficávamos a escutar, sonhando com essa região longínqua de canguçus e caboclos desnudos,
areias infindáveis alvejando à distância, onde a pintada vinha uivar em cio à noite, agoniada do
luar, e de cujo fundo das águas saíam, em estação propícia, as tracajás à desova pelas praias
d'arribação...
E a mente exaltava-se, repassando contos e lendas, frutos de leituras precoces duns e
outros que, mais felizes, tinham visto ou descrito o Araguaia, e bebido em suas paragens a
selvática poesia dos sertões brasílios...
– Ah! tempos que passaram, tempos de moço, como cabo ordenança e vaqueiro particular
do capitão José Manuel, teu pai, nosso tio-avô!
Vinham logo narrações da vida à beira do grande rio, proezas de caça e pesca, combates e
matanças dos índios canoeiros, caiapós e xavantes; o ataque do fortim de Santa Maria, como ele,
ajoelhado à soleira do rancho, a velha espingarda reiúna e respectiva munição ao lado,
mordendo impassível o cartucho, fizera frente a toda uma tribo encarniçada de guerreiros,
fuzilando-a à queima-roupa e dando assim tempo à guarnição de tocar a rebate e acudir em
defesa às muralhas.
– Era pelo meio da noite, um luar tão claro como dia. A caboclada tingira-se de preto,
uma larga faixa branca pintada na testa. Isso servia de pontaria. Não perdera um tiro. O rancho
ficara que nem porco-espim: crivado d'alto a baixo de frechas e tantas que, ao outro dia,
andando os soldados a apanhá-las nos arredores, ajuntaram feixes enormes, que depois serviram
para manter o fogo da cozinha semanas a fio. De sua parte, por conta e risco, só ele matara oito.
– Tempos brabos – comentava.

(Ai, meu pobre herói obscuro, que dormes hoje, entre florinhas agrestes, o teu sono de
paz numa cova rasa do cemitério da Barra, junto ao filho do Anhangüera, o desbravador de
meus pagos!)
Relatava agora, entre sério e jocoso, como a colerina alastrara súbito no presídio,
afrontando do último recruta ao comandante; de como faltaram então todos os recursos e
mantimentos naqueles fundões. Só a ele poupara, a danada! Ia para o fundo do quintal, o paude-
fogo aperrado, entre os bamburrais, assuntando. Tucanos, quebrando talas, grazinavam
saltitantes nas embaúbas.
– Pum! pum! Botava um, botava dois, três, abaixo; e era essa a canja que, com milho
pilado, servia ao pé do leito aos patrões devorados de febre.
– Bicho duro, o tucano! Pernoitava dias inteiros no fogo e nada de dar caldo que
prestasse. Como ele, só papagaio, vote! Parecia até o capeta em figura de ave.
Depois, era como duma feita sangrara um cabra intrometidiço, que se lhe fizera
engraçado com a mulher. O camarada riscara a parnaíba com vontade; ele aparou e deu-lhe
resposta bem segura, entre costelas, no bucho...
E explicava: O anspeçada fora procurá-lo no açougue da vila – estavam então em Santa
Leopoldina – onde ele acabara de abater uma rês gorda, cria da fazenda, por ordem de seu
capitão. O cabra chegou como quem vinha mesmo decidido a armar sarseiro, cara amarrada,
berrando alto, gesticulando atrevido, arrotando pacholices e valentias, uma dose forte de
cachaça nos bofes.
Ele ouviu, ouviu, como quem não entendia; mas num repente, ante um desaforo mais
grosso, quando o provocador transpunha já o limiar, saltou por cima do balcão, ajuntou o
famanaz pelos peitos, atirando-o com violência ao meio da rua.
O Domingos foi de roldão bater na quina dum frade, e voltou de lá cego, o facão à
mostra, piscando os olhinhos de cobra assanhada, sobre o adversário, que já o esperava também
do lado de fora, a comprida faca do corte – reluzente e ensebada do serviço – na mão firme.
O crioulo marrou-lhe, a bem dizer, uma pontada direita ao coração; ele torceu e deixou-o
passar. De novo, frechou-lhe em cima o anspeçada, faca a prumo, num bote curto, procurando
aberta; novamente ele furtou o corpo, mas esperava-o dessa vez na ponta do ferro, onde o cabra
veio espetar-se, bruscamente, o sangue esguichando com fartura para os lados, aos borbotões.
– Ah, como que ainda sentia pelas mãos, na cara – vão quarenta e cinco anos – o sangue
do Minguinhos salpicando-o d'alto a baixo, todo fumegante, como brasa!
Animado pelo calor da narrativa, acrescentava depois como derrubara doutra vez, numa
tarde mui límpida e calorenta d'agosto, um velho carajá que topara acocorado no alto duma
árvore, todo acobardado e trêmulo ao vê-lo, duma feita, quando vinha do campeio...
E anotava:
– Qual! Carajás... nação fraca...
– Mas mataste-o à toa, Casimiro?
– Ora, ora, o velho coroca arregalava-me o olho do alto do pau, assim que nele botei a
vista, como guariba assustada, batendo os dentes, a dizer com perrenguice: “Aí tori... aí tori...
(cristão, cristão), mata Bremeri... (nome lá da língua deles), aí ele não faz mal... Tori valente!...”
E tremia, que nem atacado de maleitas. Eu atravessara o meu pampa campeador no meio do
caminho, a coronha da lazarina sobre o serigote dos arreios, todo encruado em minhas perneiras
e guarda-peito de mateiro, o chapelão para trás, preso ao queixo pela barbela de sola, mão em
pala, assuntando... Dera com aquele diabo ao sair do cerrado, onde andava a campear umas
reses do capitão José Manuel, seu tio-avô, que Deus tenha em sua santa guarda. Tinha achado
rastros frescos num brejal, entre touças de caranã, mas batera três dias seguidos as redondezas,
não topando vivalma. Daí a presunção em que vinha: pintada não fora, senão deixava algum
sinal, resto de carniça, marca das patas, qualquer cousa; e só muito faminta atacava cria taluda...
Os índios, talvez... Vai senão, topo aquele estorvo.
– Desce do pau, ó tapuio!...
– Aí tori... aí tori... mata ele... Brequeti não faz mal... Aí tori valente!...

– Ora, ora, o perereca batia a queixada como caititu acuado e eu – diacho de velho pra
viver!... – quando o pampa dera já algumas passadas, torci-me no arção da cutuca, e despejei-lhe
nas costelas a carga da reiúna. – Que bufo, vote!
Aqui interrompia a segunda mulher do caseiro – que a primeira há muitos anos morrera –
toda lastimosa, um travo de zanga na voz:
– Pois tu não tens vergonha de contar cousas dessas, Casimiro! Credo! Olha o purgatório!
– Mulher, mulher, mete-te com tua vida, deixa os outros sossegados. Mortes, tenho treze
nas costas, mal contado; e não me arrependo, mais não fora, tanta gente ruim anda pelo
mundo!...
– E remorsos, nunca os teve? – indago.
O velho, cuja cabeça nevava ainda mais o luar, olhou-me em silêncio, como se não
compreendera. Depois riu, a boca murcha espichando num bocejo cínico, onde sobressaía
desenhada toda aquela vida primitiva no seio bruto do deserto, a par de feras e perigos, sem
contemplações e sem piedade para com os mais fracos, os vencidos...
– Leréia...
Sim, lérias, discutia eu no meu íntimo, que nessa época já começava a tirar lições práticas
do mundo, e sabia que o cafuzo que ali estava, o busto ainda alto e espigado, onde os três
sangues da raça se caldeavam apaziguados, nunca passara da cartilha de mão, e vivera assim
desde rapazote, à gandaia da natureza, a grande mestra da vida.
Quando fora da estopada do Minguinhos, cristão como ele e companheiro de tarimba, não
tivera, quanto mais daquele velho coroca, a bem dizer bicho do mato!...
Ora, ora, anos depois, de passagem, fora ver o local: a caveira reluzia ao sol e ria
macabramente no aceiro da selva, enquanto que a ossada se espalhava em torno, dispersa pelas
enxurradas e animais bravios...
Terras bárbaras, gente forte!

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– Ai, a nostalgia do sertão!...
Pela manhã a Merência, papuda e avara, ia ao curral ordenhar a sua parelha magricela de
vaquinhas barrosas, cujo leite nos vendia sovinamente a tostão o guampo. Também,
crivávamos-lhe de epítetos e epigramas, à veia estudantal, a papeira mazomba, mal virava,
rezingando, a costa acorcovada.
Amigo: não val descrever a vida que aí levamos e da qual fruis ainda os doces encantos.
Longe, numa terra inóspita para os pequenos e humildes, nesta trapeira velha onde noite alta
zune a ventania e vem visitar-me alcatéias de ratazanas, às voltas com os meus tédios e minhas
pequenas manias de rabiscador anônimo, o espetáculo grandioso da civilização desenrolando-se
ao pé pelo buzinar álacre dos autos nas avenidas e pedalar intermitente de tranvias, tão só, à
espera dum futuro que não chega e sabendo quão amarga sói às vezes ser a solidão para os que
meditam e sonham e quão duro é viver distante das cousas que nos foram familiares, relembro a
paisagem adusta de nossa velha terra, e confesso – não raro uma lágrima furtiva ressuma em
minhas faces escaldadas, como óbulo votivo ao torrão onde vi a luz, onde minha infância
decorreu como todas, ai, tão depressa, tão descuidosa...
Mas basta de sentimentalismo!
Revê-la-ei? Não sei. Talvez nunca. Entanto, nesta luta insana pela existência que é o viver
cotidiano das grandes cidades, assediado a cada momento por vivos e contrários embates de
interesses e paixões mesquinhas, sinto que o meu íntimo permaneceu o mesmo doutrora,
insensível e sereno a todas as agressões brutais deste meio material e grosseiro que o cinge e
aperta num supremo e frenético esforço de conquista e erguendo, em meio o seu abandono e em
meio a sua tristeza, a grande escada de fogo por onde se guindará a outras paragens mais
amigas, filhas do meu Sonho e da minha Saudade...
Vale.
Rio... 1915

sábado, 13 de agosto de 2011

Mauro Santayana fala sobre prisões e algemas

por Mauro Santayana


Se os suspeitos de desvio de recursos públicos do Ministério do Turismo  são criminosos, ou não, cabe à Justiça decidir. Se o uso de algemas foi exagerado, ou não, os policiais envolvidos na operação podem esclarecer. Podemos, no entanto, e  mesmo sem pesquisas de opinião,  presumir: em sua maioria, as pessoas se sentem aliviadas quando vêem gente bem vestida e de posição social reconhecida,  sendo tratada como normalmente se tratam os pobres. Se a lei é igual para todos, todos devem ser tratados da mesma maneira: suspeitos ricos e miseráveis, tenham assaltado com a mão armada ou com a caneta que libera recursos para  sócios ocultos.


Há sinais de pressões contra a Chefe de governo e de Estado, a fim de que se esfriem as medidas saneadoras que ela vem tomando, a partir do grande escândalo do Ministério dos Transportes. Há articulações, no Congresso, que visam a emparedar o governo, a fim de que se interrompa a ação da Polícia Federal. Ora, a Polícia Federal atuou, nesse caso e em casos semelhantes, conforme a determinação da Justiça. E a Justiça, nesses casos, só se pronuncia quando provocada, seja pelos órgãos do Poder Executivo, seja pelo Ministério Público.  Há que se registrar, também, que, mesmo com as falhas e desvios de seus integrantes – que ela mesma investiga e toma as medidas necessárias – a Polícia Federal, nesses nossos tempos de poder civil, é vista com respeito e admiração pelos brasileiros. Enfim, conforme constatava Tancredo, governar é resistir às pressões.


Muitos parlamentares – entre eles líderes partidários – atuam como se estivessem fora do mundo. Não analisam os casos patentes de corrupção, nem as suspeitas muito bem fundadas. É difícil aceitar que sejam treinados (e à distância) quase dois mil “agentes de turismo” para atuar em Macapá, cidade de 400.000 habitantes e escassas atrações turísticas – e sem ligação rodoviária com o resto do país. Não parece sério. Os cidadãos começam a perceber que os tributos produzidos pelo seu trabalho se destinam, em grande parte, a custear serviços desnecessários, quando não são desviados para enriquecer empresários e servidores públicos  desonestos. Fala-se muito em reforma política, mas o Estado deve estar sempre em aprimoramento, com a eliminação de contratos de terceirização de serviços com organizações privadas, como as abomináveis Ongs que surgem para tudo e para nada. Os deputados não entendem que representam a nação e o seu primeiro dever é o de se contrapor ao poder executivo, principalmente no que se refere ao orçamento. Em lugar de exigir a boa distribuição dos recursos, de forma a atender ao bem-estar da população e aos investimentos que tragam resultados econômicos gerais, eles se empenham em obter, mediante as famosas emendas orçamentárias, verbas que beneficiem seus redutos eleitorais. Como a experiência demonstra, muitas vezes tais recursos terminam em  contas pessoais.


Mais grave, no caso brasileiro – e disso já tratamos muitas vezes neste espaço – é a promiscuidade entre o Parlamento e o Poder Executivo, que deviam ser bem separados, como é da boa norma nas repúblicas presidencialistas. Nenhum deputado ou senador poderia exercer um cargo executivo, a menos que renunciasse definitivamente ao mandato – como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos.


Os líderes políticos brasileiros não percebem que a grande crise dos estados contemporâneos é decorrente de uma globalização da economia imposta aos paises periféricos pelos centros financeiros internacionais, e que as suas consequências podem atingir-nos, como nos ocorreu no passado, se não construirmos a coesão interna, em torno de atos decisivos contra esses especuladores, dentro de um projeto estratégico e autônomo de desenvolvimento. A população só estará unida ao Estado, para enfrentar a tormenta internacional que se prevê, se confiar plenamente em suas instituições, que, ao livrar-se dos corruptores e peculatários,  recuperarão a confiança nacional.


A Europa e os congressistas norte-americanos estão interessados em salvar o capitalismo neoliberal e voltam ao receituário do Consenso de Washington. A Grécia está sendo forçada pelo Banco Central Europeu a privatizar tudo – e até mesmo a vender algumas de suas ilhas. Na Itália, o ministro das Finanças de Berlusconi anuncia a privatização do que sobrou do patrimônio público.


Um bem humorado blogueiro francês, Henry Moreigne, registrou ontem que os povos procuram por homens políticos “desesperadamente”. Ao analisar a crise econômica européia, ele conclui que os governos salvaram os banqueiros com dinheiro público e agora culpam os povos pela bancarrota. “Transferiram para o déficit público as dívidas privadas” – ele resume. E termina: “quando se quer matar um cão, dizem que ele está com raiva. Quando querem matar os estados, dizem que eles estão endividados”.

sábado, 30 de julho de 2011

Índios: 500 anos de Resistência

O litoral atlântico era ocupado por numerosos povos indígenas que falavam a mesma língua, o tupinambá. Viviam da pesca, da caça e da agricultura de subsistência, plantavam sobretudo mandioca, milho e feijão. No entanto, os portugueses que vieram para cá queriam plantar a cana-de-açúcar com a intenção de vender o açúcar na Europa, pois rendia muito dinheiro. É fácil concluir que entre os índios e esses invasores o choque seria inevitável e que a superioridade tecnológica dos portugueses determinaria em muitos casos a derrota dos índios. Os colonizadores adotaram o puro terror e o massacre, e muitas vezes o suborno, para obter a submissão dos povos indígenas. Atraídos pelos artefatos europeus, como anzóis, foices e machados, os portugueses conseguiam em troca a mão-de-obra indígena. Os portugueses também exploravam as rivalidades intertribais. Era tática comum fazer alianças com uma tribo para lutar contra uma outra rival. Ao final da guerra, os antigos aliados eram igualmente aniquilados ou submetidos. Mas algumas tribos usaram da mesma tática, como ocorreu nas disputas entre franceses  portugueses nas primeiras décadas da colonização.
Sobreviveram poucas nações no litoral brasileiro: os Tremembé e os Tapeba, no Ceará; os Potiguara, na baía da Traição (Paraíba); os Pataxó, em Coroa Vermelha e Barra Velha (Bahia); os Tupinikim, ao norte do Espírito Santo. São grupos remanescentes que perderam sua língua original e falam hoje o português. Vivem discriminados pela sociedade nacional, mas continua considerando-se indígenas.  
No litoral paulista e capixaba vivem os Guarani, que vieram mais tarde do Paraguai, mas enfrentam os mesmos problemas das outras nações do litoral. Apesar de tudo parte da cultura indígena sobreviveu, mesmo com a miscigenação, que muitas vezes foi fruto de violência contra esses povos.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Conexão Roberto D'avila Homenageia o Geógrafo Milton Santos

O militante de idéias Geógrafo Milton Santos criticou a globalização, mas acreditava em transformação social.

 

"O sonho obriga o homem a pensar"
Milton Santos
 

Milton Santos (1926-2001) é considerado o maior geógrafo brasileiro pelos colegas de profissão. O
professor  de  voz  calma  e  olhar  tranquilo  sublinhou  o  aspecto  humano  da  geografia  e  criticou  a
globalização  perversa.  Via  na  população  pobre  o  ator  social  capaz  de  promover  uma  outra
globalização, que defendeu em livros e conferências pelo mundo.

Milton introduziu importantes discussões na geografia, como a retomada de autores clássicos, e foi
um dos expoentes do movimento de  renovação crítica da disciplina. Preocupado  com a questão
metodológica,  construiu  conceitos,  aprofundou  o  debate  epistemológico  e  buscou  na
transdisciplinaridade uma visão totalizadora da sociedade.
Esquerdista  convicto,  não  se  filiou  a  partidos:  "não  sou  militante  de  coisa  alguma,  apenas  de
idéias",  diz  em  uma  de  suas  frases mais  divulgadas. O  estilo  independente  revela  a  influência
sartreana  desse  brasileiro  que  se  celebrizou  na  França,  onde  obteve  o  doutorado  e  lecionou
durante a ditadura.
...
Milton foi consultor da Organização das Nações Unidas, da Unesco, da Organização Internacional
do Trabalho e  da Organização dos Estados Americanos. Também  foi  consultor  em  várias  áreas
junto  aos  governos  da  Argélia, Guiné-Bissau  e  Venezuela.  Possuía  13  títulos  de  doutor  honoris
causa,  recebidos  no  Brasil,  França,  Argentina  e  Itália,  entre  outros.  Foi  membro  do  comitê  de
redação de revistas especializadas em geografia no Brasil e exterior. Fez pesquisas e conferências
em mais de 20 países, dentre eles Japão, México, Índia, Tunísia, Benin, Gana, Espanha e Cuba.
Recebeu em 1997 o prêmio Jabuti pelo melhor livro em ciências humanas: A natureza do espaço:
técnica e tempo, razão e emoção. Em 1999 recebeu o Prêmio Chico Mendes por sua resistência.
Foi condecorado Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico em 1995. Hoje, o geógrafo
tantas vezes laureado empresta seu nome ao Prêmio Milton Santos de Saúde e Ambiente, criado
pela Fundação Oswaldo Cruz.
Milton  Santos  nunca  participou  de  movimentos  negros -  acreditava  que  deveriam  conquistar
reconhecimento em atitudes como, por exemplo, ingressar na universidade. "Minha vida de todos
os dias é a de negro", declarou. "Mantenho com a sociedade uma relação de negro. No Brasil, ela
não é das mais confortáveis."



Raquel Aguiar
Ciência Hoje/RJ
dezembro/2001



domingo, 24 de julho de 2011

Conexão Roberto D'Avila Entrevista Carlos Heitor Cony

 
Carlos Heitor Cony nasceu no Rio de Janeiro em 1926, fez humanidades e curso de filosofia no Seminário de São José. Estreou na literatura ganhando por duas vezes consecutivas o Prêmio Manuel Antônio de Almeida (em 1957 e 1958) com os romances “A Verdade de Cada Dia” e “Tijolo de Segurança”. Cony trabalha na imprensa desde 1952, inicialmente no Jornal do Brasil, mais tarde no Correio da Manhã, do qual foi redator, cronista  e editor. Depois de várias prisões políticas durante a ditadura militar e de um período no exterior, entrou para o grupo Manchete, no qual lançou a revista Ele e Ela e dirigiu as revistas Desfile e Fatos&Fotos. Atualmente, é colunista da Folha de S.Paulo, comentarista da rádio CBN e da Band News. Como diretor da teledramaturgia da Rede Manchete, apresentou os projetos e as sinopses das novelas “A Marquesa de Santos”, “Dona Beija” e “Kananga do Japão”. Em 1998, o governo francês, no Salão do Livro, em Paris, condecorou-o com a L'Ordre des Arts et des Lettres. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em março de 2000. “O Ventre” romance de estréia de Cony fez em 2008 cinquenta anos.
Ganhou os seguintes prêmios:
Manuel Antônio de Almeida (em 1956 e 1957)
Jabuti (em 1996, 1998 e 2000)
Livro do Ano (em 1996 e 1998 e 2000)
Prêmio Nacional Nestlé (em 1997)
Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de obra, em 1996.


Biografia :Site do Cony

sábado, 23 de julho de 2011

A Violência das Leis,Por Leon Tolstoi

Biografia:
Nascido numa família nobre, Leon Tolstoi ficou órfão aos nove anos e foi educado por preceptores.

Em 1843, iniciou o curso de letras e direito na Universidade de Kazan. Depois de formado, passou um período em Moscou e logo se alistou na guarnição do Cáucaso, seguindo seu irmão Nicolenka, oficial do exército russo.

No Cáucaso, escreveu o livro "Infância" e a primeira parte de "Memórias". "Infância" foi publicado em 1852 e alcançou grande êxito.
Depois de nomeado suboficial, em 1854, Tolstoi voltou brevemente a sua terra natal, mas retornou à vida militar, participando da Guerra da Criméia.

Em 1856, abandonada a carreira militar, Leon Tolstoi passou a viver em sociedade, ampliando suas relações pessoais. Viajou à Europa, visitando diversos países. Ao regressar, isolou-se em sua propriedade rural, determinado a dedicar-se à literatura. Casou-se nesse período com Sofia Bers, com quem teve nove filhos.

Em 1865, iniciou a elaboração de "Guerra e Paz", uma das maiores obras literárias de todos os tempos. Trata-se de um extenso romance que aborda as guerras napoleônicas e traça um quadro da sociedade russa do início do século 19.
  
A VIOLÊNCIA DAS LEIS

Por Leon Tolstói

Muitas constituições foram criadas de modo a fazer com que as pessoas
acreditassem que todas as leis estabelecidas atendiam a desejos expressos pelo povo. Mas
a verdade é que não só nos países autocráticos, como naqueles “supostamente” mais
livres as leis não foram feitas para atender a vontade da maioria, mas sim a VONTADE
DAQUELES QUE DETÊM O PODER. Portanto elas serão sempre, e em toda a parte,
aqueles que MAIS VANTAGENS POSSAM TRAZER À CLASSE DOMINANTE E AOS
PODEROSOS. Em toda a parte e sempre, as leis são impostas utilizando os únicos meios
capazes de fazer com que algumas pessoas se submetam à vontade de outras, isto é,
pancadas, perda da liberdade e assassinato. Não há outro meio.
Nem poderia ser de outro modo, já que as leis são uma forma de exigir que
determinadas regras sejam cumpridas e de obrigar determinadas pessoas a cumpri-las
(ou seja, fazer o que outras pessoas querem que elas façam) E ISSO SÓ PODE SER
OBTIDO COM PANCADAS, PERDA DA LIBERDADE E COM A MORTE. Se as leis existem,
é necessário que haja uma força capaz de obrigar as pessoas a respeita-las. E só há uma
força capaz de fazer com que alguns seres se submetam à vontade de outros e esta força é
a violência. Não a violência simples, que alguns homens usam contra seus semelhantes
em momento de paixão, mas uma VIOLÊNCIA ORGANIZADA, usada por aqueles que tem
o poder nas mãos para fazer com que os outros obedeçam à sua vontade.
Assim, a essência da legislação não está no sujeito, no objeto, no direito, na idéia
do domínio da vontade coletiva do povo ou em qualquer outra condição tão confusa e
indefinida, mas sim no fato de que AQUELES QUE CONTROLAM A VIOLÊNCIA
ORGANIZADA DISPÕEM DE PODERES PARA FORÇAR OS OUTROS A OBEDECÊ-LOS,
fazendo aquilo que eles querem que seja feito.
Assim, uma definição exata e irrefutável para legislação, que pode ser entendida
por todos, é esta: “AS LEIS SÃO REGRAS FEITAS POR PESSOAS QUE GOVERNAM POR
MEIO DA VIOLÊNCIA ORGANIZADA, QUE, QUANDO NÃO ACATADAS, PODEM FAZER
COM QUE AQUELES QUE SE RECUSAM A OBEDECÊ-LAS SOFRAM PANCADAS, A
PERDA DA LIBERDADE E ATÉ MESMO A MORTE.”

sábado, 16 de julho de 2011

A escravidão ainda nos assombra,por Jean Wyllys

Artigo publicado na Revista Carta Capital

Embora abolida oficialmente, a escravidão no Brasil ainda resiste de forma clandestina (e, às vezes, nem tão clandestina assim). Parte significativa da sociedade civil cansou de esperar pela boa vontade dos parlamentares e, com razão, pressiona-os para que aprovem definitivamente a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438, que determina a expropriação das terras onde for flagrado trabalho escravo.
Esta PEC já foi aprovada no Senado e, em primeiro turno, na Câmara. Mas, para ser totalmente aprovada e, assim, alterar a Constituição, ela precisa ser votada em segundo turno – algo que a bancada de parlamentares que representam o grande agronegócio (em que, em muitos casos, vigora o trabalho escravo) não quer. Dados do Ministério do Trabalho revelam que mais de cinco mil pessoas foram resgatadas de situações de trabalho escravo nos últimos dois anos.
Exposta assim, em palavras, a situação em que viviam esses milhares de seres humanos não parece tão cruel. É preciso que se conheça de perto esta desgraça para que se tenha noção do quanto ela é chocante: o cidadão, na busca por um emprego que lhe permita se alimentar e aos seus filhos ou pais, aceita um trabalho duro e com alta carga horária. Assim, ele já começa o dia “devendo” ao patrão e não consegue deixar o trabalho porque não tem jamais condições de pagar a “dívida”, que só aumenta. Fugir? Impossível! “Jagunços”, “capatazes”, enfim, uma guarda privada e fortemente armada está sempre pronta para abater aquele que ousar escapar sem pagar.
Muitos desses escravos são crianças ou adolescentes que, na esperança de não morreram de fome, abandonaram a escola em busca de trabalho. É uma situação aviltante, chocante! E o pior é que alguns dos que mantêm seres humanos em regime de escravidão posam publicamente como homens de bem e “cristãos” devotos. Isso quando não pagam fortunas a agências de publicidade para promoverem suas empresas que vivem do trabalho escravo. Como diz a letra da canção de Gilberto Gil, a usura dessa gente, já virou um aleijão. Gente hipócrita!
A escravidão é um crime contra a humanidade. O artigo 1o. da convenção assinada em Genebra ainda em 1926 define a escravidão como “o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem os atributos do direito a propriedade ou alguns deles”. Já segundo a “convenção suplementar relativa à abolição da escravidão”, adotada também em Genebra, só que em 1956, estão inclusas entre as instituições e práticas análogas à escravidão: a servidão por motivos de dívida, o cativeiro, o casamento forçado (mediante pagamento aos pais, ao tutor ou qualquer pessoa ou grupo), assim como o trabalho forçado de crianças e de adolescentes.
É possível que as pessoas de bem não se dêem conta hoje do quanto este crime é doloroso para suas vítimas porque os livros de história, por meio dos quais elas estudaram e estudam, costumam representar a escravidão de negros, no passado, como algo indolor. Se a escravidão, embora abolida oficialmente, cresce debaixo do nosso nariz, é porque o abolicionista Joaquim Nabuco estava certo quando afirmou ainda no século XIX que a escravidão permaneceria “por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. Como é que conseguimos conviver com ela ao mesmo tempo em que afirmamos – em mesas de bar ou durante o intervalo para o café – que temos vergonha do fato de o Brasil ter sido um país cujo Estado praticou a escravidão e o tráfico internacional de escravos? Bons sentimentos e intenções não bastam (o dito popular é feliz em sua afirmação de que, de boas intenções, o inferno anda cheio)! É preciso mobilização!
É chegada a hora de cobrar de nossos parlamentares a aprovação da PEC e políticas públicas que combatam e previnam a escravidão e/ou as situações análogas a ela. É chegada a hora de denunciar os casos de escravidão à imprensa ou aos blogs progressistas. É chegada a hora de rogar aos nossos deuses que eles façam com que o chicote seja, por fim, pendurado; e que devolvam a liberdade a quem, para ser livre, foi criado.

Jean Wyllys

Jornalista e linguista, é deputado federal pelo PSOL-RJ

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Entrevista de Mauro Santayana ao Programa Café na Política



O PREÇO DA ESTABILIADADE

Princípio de filosofia moral recomenda não separar os meios dos fins: o meio faz parte do fim. Em suma, o caminho é, em si mesmo, o destino. O cinismo político parte da posição contrária: na busca pelo poder, ou na luta pela sua manutenção, todos os meios se legitimam. Daí a mal chamada ética da responsabilidade, que celebrado sociólogo, no exercício da presidência da República, defendeu, ao citar Weber em aula magna – emblematicamente proferida em um hospital para médicos e enfermos. A ética repele adjetivos; é ou não é. Naquele governo não foi, mas o presidente era o enfant gâté dos aristocratas e banqueiros, nacionais e internacionais, e seus vícios – como as privatizações, que fizeram fortunas imensas – foram convertidos em virtudes pelos seus áulicos e beneficiados.

A política é, e sempre será, o confronto entre uma posição e a outra: entre os que, em nome da ética, consideram os fins como o prolongamento dos meios, e os que, na apologia do realismo político, justificam os vícios dos meios como construtores de hipotética virtude final.

O governo, para a preocupação de todos os brasileiros sensatos, está a caminho de uma crise política, que pode ser vencida rapidamente ou conduzir a resultados indesejáveis. A presidente da República se encontra em um labirinto que as circunstâncias levantaram em torno de seu gabinete. Os compromissos, naturais e inevitáveis, assumidos durante a campanha, não lhe permitiram usufruir das prerrogativas constitucionais de escolher livremente os seus ministros. Teve que atender aos partidos que constituem a maioria parlamentar, nesse regime teratológico de que padecemos, que não é presidencialista, parlamentarista, ou congressual - como o dos Estados Unidos - mas sim, de promiscuidade entre o três poderes. Fala-se muito em reforma política, embora sempre se pense em reforma eleitoral, mas ela não se fará sem que ocorra uma revolução, não necessariamente violenta, mas a cada dia mais provável.

Os homens públicos devem partir do princípio de que o mandato não é um negócio que enriqueça, mas um serviço que deve ser compensado com subsídios decentes. É um erro considerar elevada a remuneração dos altos servidores do Estado, em qualquer um dos poderes; por mais altos fossem – e não são - onerariam menos o povo do que os custos históricos da corrupção. E é erro ainda maior permitir que parlamentares exerçam – como mais de duzentos o fazem - determinadas atividades durante o seu mandato. Um médico poderá manter a sua clínica, assim como um jornalista continuar assinando a sua coluna, ou um arquiteto a riscar os seus projetos, desde que não o façam para o setor público. Mas é evidente que um parlamentar, sobretudo quando conhece os segredos de Estado, não pode ser consultor de empresas, de quaisquer empresas, como centenas o fazem, convém repetir. Mesmo que seus clientes não sejam do setor público, os seus conselhos, fundados na experiência de servidor da República, constituem vantagem competitiva que, embora não prevista nas leis, configura concorrência desleal no mercado.

A estabilidade política, em qualquer país, está acima da inocência ou do pecado. A história dos povos registra momentos em que a ingenuidade construiu crises, e outros, nos quais a delinqüência era evidente para conduzir à queda dos governos. É bom recorrer sempre à advertência de Richelieu de que os Estados, sendo instituições temporais, não gozam do privilégio divino da salvação eterna: eles podem perder-se em um minuto, vítimas de decisão equivocada do soberano.
É inimaginável que homens públicos responsáveis, inocentes ou não, se recusem a deixar qualquer cargo, quando a sua permanência coloca em risco o governo e os interesses soberanos da República. 


quarta-feira, 6 de julho de 2011

José Eduardo Agualusa - Manual Prático de Levitação Texto

Manual prático de levitação
José Eduardo Agualusa

Não gosto de festas. Aborrece-me a conversa fiada, o fumo, a alegria fátua dos bêbados. Irritam-me ainda mais os pratos de plástico. Os talheres de plástico. Os copos de plástico. Servem-me coelho assado num prato de plástico, forçam-me a comer com talheres de plástico, o prato nos joelhos, porque não há mais lugares à mesa, e inevitavelmente o garfo quebra-se. A carne salta e cai-me nas calças. Derramo o vinho. Além disso odeio coelho. Faço um esforço enorme para que ninguém repare em mim, mas há sempre uma mulher que, a dada altura, me puxa pelo braço, vamos dançar?, e lá vou eu, de rastos, atordoado pelo estrídulo dissonante dos perfumes e o volume da música. Terminado o número, um tanto humilhado porque, confesso, tenho o pé pesado, sirvo-me de um uísque, com muito gelo, mas logo alguém me sacode, o que foi, meu velho, estás chateado?, e eu, que não, esforçando-me por sorrir, esforçando-me por rir às gargalhadas, como o resto da chusma, chateado? por que havia de estar chateado?, o dever da alegria chama-me, grito, lá vou, lá vou, e regresso à pista, e finjo que danço, finjo que estou feliz, pulando para a direita, pulando para a esquerda, até que se esqueçam de mim. Naquela noite estava quase a ser esquecido quando reparei num sujeito alto, todo vestido de branco, como um lírio, alva cabeleira à solta pelos ombros, a rondar sombriamente os pastéis de bacalhau. O homem parecia estar ali por engano. Achei-o de repente tão desamparado quanto eu. Podia ser eu, excepto pela roupa, pois evito o branco. O branco não é muito apropriado para o meu negócio. Menos ainda as cores garridas. Obedeço ao lugar-comum — visto-me de negro. Aproximei-me do homem, numa solidariedade de náufrago, e estendi-lhe a mão.

— Sou Fulano — disse-lhe. — Vendo caixões.

A mão do homem (entre a minha) era lassa e pálida. Os olhos tinham um brilho escuro, vago, como um lago, à noite, iluminado pela luz do luar. A maioria das pessoas não consegue disfarçar o choque, ou o riso, depende da circunstância, quando escutam a palavra caixões. Alguns hesitam: paixões? Não, corrijo, caixões. O sujeito, porém, permaneceu imperturbável.

— Nenhum nome é verdadeiro —, respondeu-me, com forte sotaque pernambucano. — Mas pode me chamar Emanuel Subtil.

— E o que faz o senhor?

— Sou professor...

— Ah Sim? E de quê?

Emanuel Subtil sacudiu a cabeleira num movimento distraído:

— Dou aulas de levitação.

— Levitação?!

— Levitação, sabe?, fenômeno psíquico, anímico, mediúnico, em que uma pessoa ou uma coisa é erguida do solo sem um motivo visível, apenas devido ao esforço mental. A mente movimenta fluidos ectoplasmáticos capazes de vencer a força da gravidade. Eu ensino técnicas de levitação. Sem arames nem outros truques soezes.

— Interessante! Muito interessante! —, respondi, tentando ganhar tempo para pensar. — E tem muitos alunos?

O homem sorriu-me gravemente. É certo que não, disse, nos dias de hoje são poucas as pessoas interessadas em levitar. Tristes tempos estes. O triunfo do materialismo tem vindo a corromper tudo. Escasseiam as vocações para as obras do espírito. As vocações e a força mental — sugeri timidamente. Sim, confirmou Emanuel Subtil, sacudindo outra vez a magnífica cabeleira branca, e a força mental. As pessoas preferem manter os pés bem assentes na terra. E levitava, ele?, quis eu saber. Isto é, praticava com freqüência essa arte esquecida? Emanuel Subtil sorriu absorto:

— Não há dia em que não pratique. Levitar, meu caro senhor, é o mais completo dos exercícios. Cinco minutos em suspensão, logo pela manhã, ao romper da alva, estimula todos os órgãos vitais e regenera a alma.

Inclusive acontecia-lhe às vezes levitar por descuido. Contou-me que São José de Copertino, que viveu entre 1603 e 1663, sofria ataques de imponderabilidade sempre que algo o emocionava. Chamava a isso, com terror, "as minhas vertigens". Um domingo, durante a missa, elevou-se no vazio e durante largos minutos pairou numa aflição sobre o altar, em meio à chama aguda das velas, e ao alarido das beatas, ficando gravemente queimado. A igreja afastou-o, durante 35 anos, de todos os rituais públicos, em razão destas práticas extravagantes, mas nem isso impediu que a sua fama se propagasse. Uma tarde, passeando o santo homem pelos jardins do mosteiro, em companhia de um monge beneditino, foi subitamente arrastado até aos ramos mais altos de uma oliveira por um golpe de vento. Infelizmente sucedia com ele o mesmo que com os gatos, ou os balões, toda a sua propensão era para subir, não para descer, de forma que os monges tiveram de o resgatar de lá com o auxílio de uma escada. Murmurei qualquer coisa sobre a vocação mística das oliveiras, a tendência que demonstram, desde há milênios, para acolherem santos e demiurgos. Emanuel Subtil, porém, ignorou a minha observação. O caso de São José de Copertino, explicou, servia-lhe somente para ilustrar os perigos que incorre um leigo, ainda que excepcionalmente talentoso, ao praticar a arte da levitação sem o acompanhamento de um mestre:

— Você oferecia um Ferrari a uma criança? Certamente que não!

Concordei logo. É claro, por amor de Deus!, não o punha nem nas minhas mãos.

— Levitar não é para qualquer um, — prosseguiu Emanuel Subtil carregando nas palavras. — Levitar exige fé, perseverança e ainda algo mais: responsabilidade. Quer tentar?

E logo ali expôs as suas condições. Trezentos reais por mês. Quatro vezes por semana. Uma hora cada sessão. Naturalmente, acrescentou, seria impossível observar resultados antes de três a quatro meses.

— E se não obtiver resultados?

Emanuel Subtil sossegou-me. Em três meses, convenientemente orientado, até um elefante consegue levitar. Mas ainda que eu me revelasse tão mau levitador quanto bailarino (só então percebi que passara a noite a observar-me) ele próprio me daria um empurrão. Citou-me o caso de um famoso médium inglês, Daniel Douglas Home, que nos anos trinta desafiava a tradicional fleuma britânica fazendo flutuar pianos e outros objectos pesados. Conta-se que uma noite levou um boi para o salão de um rico industrial, e o ergueu no ar. Ia o boi ao nível dos lustres, bem alto e iluminado, quando, por distracção ou um repentino desfalecimento de fé, lhe falharam as forças (ao médium), romperam-se os fluidos ectoplasmáticos, e o animal precipitou-se, com brutal fragor, sobre duas das acólitas.

— Morreram?

— O que lhe parece? — Suspirou. — A história da aeronáutica está cheia de tragédias, pequenas e grandes, mas nem por isso deixamos de andar de avião.

Declinei o convite. A festa chegara ao fim. Um velho negro dançava sozinho, de lágrimas nos olhos, alheio à música, vamos chamar-lhe música, uma mistura de alarme de carros, já rouco e exausto, e metais em convulsão. Duas raparigas muito loiras, muito lânguidas, dormiam abraçadas num sofá. Eu não conhecia ninguém. Ninguém me conhecia.

—Talvez você saiba de alguém que dê aulas de invisibilidade. Nisso estou interessado.

Emanuel Subtil olhou-me com desdém. Não respondeu. Já no hall, enquanto escolhia um guarda-chuva discreto, conforme ao meu ofício, entre um denso molhe deles, ainda vi o brasileiro abrir caminho através do fumo espesso e desabar no sofá, junto às duas raparigas loiras. Vi-o fechar os olhos. Cruzar os braços sobre o peito magro. Pareceu-me que sorria. Tenho conhecido gente um pouco estranha nestas festas. Existe de tudo. As ocupações mais bizarras. Eu sei, é claro, que isso depende sempre da perspectiva. Eu, por exemplo, vendo caixões. O meu pai vendia caixões. O meu avô vendia caixões. Cresci nisto. Acho até prosaico. Preferia, reconheço, dar aulas de levitação. Paciência. Consola-me saber que a morte é melhor negócio. Como o meu avô dizia - só uma coisa me aflige: a imortalidade.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Entrevista com Marina Colasanti


"A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.

Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se

da faca e da baioneta, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,

de tanto acostumar, se perde de si mesma. "

Marina Colasanti (Sant'Anna) nasceu em 26 de setembro de 1937 , em Asmara (Eritréia), Etiópia. Viveu sua infância na Africa (Eritréia, Líbia). Depois seguiu para a Itália, onde morou 11 anos. Chegou ao Brasil em 1948, e sua família se radicou no Rio de Janeiro,onde reside desde então. Possui nacionalidade brasileira e naturalidade italiana.

Entre 1952 e 1956 estudou pintura com Catarina Baratelle; em 1958 já participava de vários salões de artes plásticas, como o III Salão de Arte Moderna. Nos anos seguintes, atuou como colaboradora de periódicos, apresentadora de televisão e roteirista.

Ingressou no Jornal do Brasil em 1962, como redatora do Caderno B. Desenvolveu as atividades de: cronista, colunista, ilustradora, sub-editora, Secretária de Texto. Foi também editora do Caderno Infantil do mesmo jornal. Participou do Suplemento do Livro com numerosas resenhas.

No mesmo período edita o Segundo Tempo, do Jornal dos Sports. Deixou o JB em 1973.

Assinou seções nas revistas: Senhor, Fatos & Fotos, Ele e Ela, Fairplay, Claudia e Jóia.

Em 1976 ingressou na Editora Abril, na revista Nova da qual já era colaboradora, com a função de Editora de Comportamento.

De fevereiro a julho de 1986 escreveu crônicas para a revista Manchete.

Deixa a Editora Abril em 1992, como Editora Especial, após uma breve permanência na revista Claudia, tendo ganho três Prêmios Abril de Jornalismo.

De maio de 1991 a abril de 1993 assinou crônicas semanais no Jornal do Brasil.

De 1975 até 1982 foi redatora na agência publicitária Estrutural, tendo ganho mais de 20 prêmios nesta área.

Atuou na televisão como entrevistadora de Sexo Indiscreto - TV Rio

Entrevistadora de Olho por Olho - TV Tupi.

Na televisão foi editora e apresentadora do noticiário Primeira Mão -TV Rio, 1974; apresentadora e redatora do programa cultural Os Mágicos -TVE, 1976; âncora do programa cinematográfico Sábado Forte -TVE, de 1985 a 1988; e âncora do programa patrocinado pelo Instituto Italiano de Cultura, Imagens da Itália- TVE, de 1992 a 1993.

Em 1968, foi lançado seu primeiro livro, Eu Sozinha; desde então, publicou mais de 30 obras, entre literatura infantil e adulta. Seu primeiro livro de poesia, Cada Bicho seu Capricho, saiu em 1992. Em 1994 ganhou o Prêmio Jabuti de Poesia, por Rota de Colisão (1993), e o Prêmio Jabuti Infantil ou Juvenil, por Ana Z Aonde Vai Você?. Suas crônicas estão reunidas em vários livros, dentre os quais Eu Sei, mas não Devia (1992) que recebeu outro prêmio Jabuti, além de Rota de Colisão igualmente premiado.

Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Dentre outros escreveu E por falar em amor; Contos de amor rasgados; Aqui entre nós, Intimidade pública, Eu sozinha, Zooilógico, A morada do ser, A nova mulher (que vendeu mais de 100.000 exemplares), Mulher daqui pra frente, O leopardo é um animal delicado, Gargantas abertas e os escritos para crianças Uma idéia toda azul e Doze reis e a moça do labirinto de vento. Colabora, também, em revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna com quem teve duas filhas: Fabiana e Alessandra.

Em suas obras, a autora reflete, a partir de fatos cotidianos, sobre a situação feminina, o amor, a arte, os problemas sociais brasileiros, sempre com aguçada sensibilidade.


quarta-feira, 22 de junho de 2011

MOACYR SCLIAR,ESCRITOR,NO SEMPRE UM PAPO

"Não preciso de silêncio, não preciso de solidão, não preciso de condições especiais. Preciso só de um teclado."

Biografia

Sétimo ocupante da Cadeira nº 31, eleito em 31 de julho de 2003, na sucessão de Geraldo França de Lima e recebido em 22 de outubro de 2003 pelo Acadêmico Carlos Nejar. Faleceu em 27 de fevereiro de 2011, em Porto Alegre, aos 73 anos.

Moacyr Jaime Scliar nasceu a 23 de março de 1937, no hospital da Beneficência Portuguesa, em Porto Alegre (RS). Seus pais, José e Sara Scliar, oriundos da Bessarábia (Rússia), chegaram ao Brasil em 1904. Filho mais velho do casal, que teve ainda Wremyr e Marili, desde pequeno demonstrou inclinações literárias. O próprio nome Moacyr já é resultado dessa afinidade. Foi escolhido por sua mãe Sara após a leitura de Iracema, de José de Alencar, significando “filho da dor”. Ele próprio dizia: “os nomes são recados dos pais para os filhos e são como ordens a serem cumpridas para o resto da vida”.

Em 1943, começou os estudos na Escola de Educação e Cultura, também conhecida como Colégio Iídiche, onde sua mãe chegou a lecionar. Em 1948, transferiu-se para o Colégio Rosário, um ginásio católico.

Em 1955, foi aprovado no vestibular de Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde se formou em 1962. Especialista em Saúde Pública e Doutor em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública, exerceu a profissão junto ao Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU).

Casou-se, em 1965, com Judith Vivien Olivien, com quem tem um filho, Roberto.

Foi professor visitante na Brown University (Department of Portuguese and Brazilian Studies) e na Universidade do Texas (Austin), nos Estados Unidos. Freqüentemente é convidado para conferências e encontros de literatura no país e no exterior.

Seu primeiro livro, publicado em 1962, foi Histórias de Médico em Formação, contos baseados em sua experiência como estudante. Em 1968 publica O Carnaval dos Animais, contos, que Scliar considera de fato sua primeira obra.

Autor de 74 livros em vários gêneros: romance, conto, ensaio, crônica, ficção infanto-juvenil, escreveu, também, para a imprensa. Obras suas foram publicadas em muitos países: Estados Unidos, França, Alemanha, Espanha, Portugal, Inglaterra, Itália, Rússia, Tchecoslováquia, Suécia, Noruega, Polônia, Bulgária, Japão, Argentina, Colômbia, Venezuela, Uruguai, Canadá e outros países, com grande repercussão crítica.

Teve textos adaptados para o cinema, teatro, tevê e rádio, inclusive no exterior.

Foi, durante 15 anos, colunista do jornal Zero Hora, onde discorria sobre medicina, literatura e fatos do cotidiano. Foi colaborador da Folha de S. Paulo desde a década de 70 e assinou uma coluna no caderno Cotidiano.

Duas influências são importantes na obra de Scliar. Uma é a sua condição de filho de imigrantes, que aparece em obras como A Guerra no Bom Fim, O Exército de um Homem Só, O Centauro no Jardim, A Estranha Nação de Rafael Mendes, A Majestade do Xingu. A outra influência é a sua formação de médico de saúde pública, que lhe oportunizou uma vivência com a doença, o sofrimento e a morte, bem como um conhecimento da realidade brasileira. O que é perceptível em obras ficcionais, como A Majestade do Xingu e não-ficcionais, como A Paixão Transformada: História da Medicina na Literatura.

“Cada leitor da obra do Scliar tem seu gênero preferido. Mas todos reconhecem nele, acima de tudo, seja na ficção, no ensaio ou na crônica, um estilo altamente humanista, que o torna dono de valores universais”, segundo o escritor gaúcho Luiz Antônio Assis Brasil, para quem a ABL, ao aceitá-lo como imortal, fez justiça não só ao Rio Grande do Sul, mas também ao grande escritor que ele foi, capaz de introduzir na literatura brasileira a contribuição que outros escritores de origem judaica deram à literatura mundial. Sua ficção insere a temática do imigrante judeu e urbano no imaginário da literatura sul-rio-grandense.

Moacyr Scliar é considerado um dos escritores mais representativos da literatura brasileira contemporânea. Os temas dominantes de sua obra são a realidade social da classe média urbana no Brasil, a medicina e o judaísmo. Suas descrições da classe média eram, frequentemente, inventadas a partir de um ângulo supra-real.

Principais Prêmios
Prêmio da Academia Mineira de Letras (1968), Prêmio Joaquim Manuel de Macedo (Governo do Estado do Rio, 1974), Prêmio Cidade de Porto Alegre (1976), Prêmio Érico Veríssimo de romance (1976); Prêmio Brasília (1977), Prêmio Guimarães Rosa (Governo do Estado de Minas Gerais, 1977); Prêmio Associação Paulista de Críticos de Arte (1980); Prêmio Jabuti (1988, 1993, 2000 e 2009); Prêmio Casa de Las Américas (Cuba, 1989) pelo livro A Orelha de Van Gogh; Prêmio PEN Clube do Brasil (1990), Prêmio Açorianos (Prefeitura de Porto Alegre, 1997 e 2002). Seu romance A Majestade do Xingu, que narra a história de Noel Nuttles, também judeu e médico sanitarista, além de renomado indigenista, recebeu o Prêmio José Lins do Rego, da Academia Brasileira de Letras (1998); Prêmio Mário Quintana (1999); Prêmio Jabuti (2009) por "Manual da paixão Solitária".

*MOACYR SCLIAR FALECEU AOS 73 ANOS EM 27 DE FEVEREIRO DE 2011.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Vascão Campeão da copa do Brasil 2011!!!!!!

Crônica publicada originalmente no site:

http://www.supervasco.com


VASCO! VASCO! VASCO!(Crônica para um time campeão)


Tremei, terra! Tremei, solo! Varrei os mares, tufão de paixão!

Extasiados pela conquista, rejubilados pela euforia... VASCO! VASCO! VASCO!

Eleva-te, pensamento distante, sonho concebido... deixai arder dentro do peito, escondido por esta cruz-de-malta que venceu o mal e o preconceito doentio, a chama desse amor incandescente que explode na alma da gente e nos leva, alucinados, a gritar... VASCO! VASCO! VASCO!

Vinde vós, Campeão Gigante, Porta-Voz desta nação amante

Tremulai vossa bandeira, balançai a terra inteira... VASCO! VASCO! VASCO!

Almirante vencedor, impoluto e incomparável, navegando novamente pelos mares da vitória, conquistando continentes, desbravando tempestades... “taça à vista”! Eis a conquista! VASCO! VASCO! VASCO!

Derrubai fronteiras, destroçai cadeias e correntes, despedaçai jugos... rompei pórticos e anunciai aos quatro ventos, para que se espalhem aos confins do universo, que TU ÉS O VASCO, o Campeão das Américas, o Campeão do Brasil, o vultoso Campeão!

VASCO! VASCO! VASCO!

Se um dia para Deus é como mil anos, que são para ti, Grandioso, meros oito anos sem esse grito arrojado, sem esse peito estufado, sem essa taça erguida no suor e no brado dos teus 11 guerreiros do campo?

És grande, meu Vasco... és Gigante, Vasco meu! Maior que tuas taças e títulos tu és!

És Gigante da Colina... da história... da paixão! Tens um nome e um sobrenome, tens ascendência e descendência, tens a sina da vitória... VASCO! VASCO! VASCO!

Vem agora, Vasco da Gama! Vem agora e arrebata... vem agora e abraça teu povo... tua multidão de negros, brancos, pobres, mulatos, ricos, portugueses, brasileiros, homens, mulheres, crianças, favelados, bem nascidos... pois vem! Encanta e se encanta com a tua imensa torcida bem feliz!

Rompe os portões, abre as saídas da Colina Histórica, sai pras ruas e vem ver os olhos vertendo lágrimas de paixão, vem ver as camisas cobrindo os corações amantes com teu manto!

Vem pra rua ver teus filhos abraçados, emocionados, chorando e sorrindo, loucos alucinados no asfalto, bêbados e equilibristas, como Carlitos em preto-e-branco com lágrimas de pierrô apaixonado chorando de alegria no carnaval de um time campeão!

Vem, meu Vasco... nosso Vasco de conquistas eternas e históricas! Vem e sacia nossa sede de justiça pelos gols perdidos, pelas ironias, pelas bazófias, pelas dissidências sórdidas, pelo oportunismo fajuto, pela ambição que almeja sujar teu nome... vem, Nosso Vasco!, e engrandece teu nome no Panteão dos Vencedores!

Arrasta teu manto sagrado pelas ruas da cidade, Glorioso Gigante da Colina! Acompanha teu povo emocionado, que aos gritos de “é campeão” reconhecem tua história, teus feitos, tua fortuna!

Cala de vez os detratores, os debochados, os caluniadores, os roedores da tua história... faz brilhar tua cruz cristã contra os demônios de dentro e de fora que se levantam contra ti, legítimo time da fé em Deus, da salvação dos homens, da igualdade e da libertação!

Vem, ò Vasco, e descansa no peito dos que te amam, repousa como Campeão do Brasil nas mentes e na emoção dos teus filhos marcados por essa cruz! Espelha-te nos rostos que, cobertos de lágrimas, levantam tua bandeira... defendem tuas cores... gritam apaixonados porque tu, Vasco da Gama, és novamente o Grande Campeão!

E que essa força, essa garra, essa luz que há em ti nos ilumine e nos conduza aos mesmos caminhos de glória pelos campos da vida, inspirados pela mesma fé no Salvador que também inspira a insígnia viva em teu peito... em nosso peito...tu e cada um de nós: uma só fé, um só ímpeto de amor e de vitória!

Tremei, terra! Tremei, solo! Varrei os mares, tufão de paixão!

Eis que ele, o VASCO DA GAMA, Gigante da Colina, Campeão do Centenário, Tricampeão das Américas, Pentacampeão do Brasil... ergue a taça... vence a Copa... enxuga de nossos rostos as lágrimas que ele mesmo fez brotar!

Lavamos nossa alma, nosso coração e nossas vidas na paixão dessas lágrimas, na força dessa conquista...

Tremei, terra! Tremei, solo! Varrei os mares, tufão de paixão!

TREMEI, SOLO DAS AMÉRICAS!

VASCO! VASCO! VASCO!

O campeão voltou...

Hélio Ricardo Rainho


quinta-feira, 9 de junho de 2011

José Eduardo Agualusa,Escritor Angolano, no Sempre um Papo

José Eduardo Agualusa nasceu em Huambo,em Angola,em 13 de dezembro de 1960.Estudou agronomia e silvicultura em Lisboa.
Vive entre Lisboa e Luanda.Iniciou a sua carreira literária em 1988,com a publicação do Romance histórico A Conjura:
"Publicado originalmente em Portugal, o livro A Conjura ganha agora sua primeira edição brasileira. Em seis capítulos, a obra narra as histórias dos habitantes da velha cidade de São Paulo da Assunção de Luanda, entre os anos de 1880 e 1911. Em um contexto marcado por turbulentas transformações, essa colônia portuguesa era o destino de degredados, ladrões e assassinos da pior espécie. Nessa época, quando nas ruas de Luanda se cruzavam as tipoias dos nobres senhores africanos com as caravanas de escravos angolanos, e os condenados vindos do Reino de Portugal se entranhavam pelos matos em busca de fortuna, estórias se passaram que a História não guardou. Estórias de amores e prodígios que ainda sobrevivem em antigas canções. Estórias de personagens como o barbeiro Jerónimo Caninguili e a jovem Alice, cujas desventuras acompanhamos até o fatídico 16 de junho de 1911, dia da frustrada tentativa de tornar Angola independente de Portugal.",que a Gryphus Editora lançou no Brasil.
Os seus livros estão traduzidos para mais de vinte idiomas. Também escreveu várias peças de teatro: "Geração W", "Aquela Mulher", "Chovem amores na Rua do Matador" e "A Caixa Preta", estas duas últimas juntamente com Mia Couto.

Beneficiou de três bolsas de criação literária: a primeira, concedida pelo Centro Nacional de Cultura em 1997 para escrever « Nação crioula », a segunda em 2000, concedida pela Fundação Oriente, que lhe permitiu visitar Goa durante 3 meses e na sequência da qual escreveu « Um estranho em Goa » e a terceira em 2001, concedida pela instituição alemã Deutscher Akademischer Austauschdienst. Graças a esta bolsa viveu um ano em Berlim, e foi lá que escreveu « O Ano em que Zumbi Tomou o Rio ». No início de 2009 a convite da Fundação Holandesa para a Literatura, passou dois meses em Amsterdam na Residência para Escritores, onde acabou de escrever o romance, « Barroco tropical ».

Escreve crônicas para a revista LER. Realiza para a RDP África "A hora das Cigarras", um programa de música e textos africanos. É membro da União dos Escritores Angolanos.

Em 2006 lançou, juntamente com Conceição Lopes e Fatima Otero, a editora brasileira Língua Geral, dedicada exclusivamente a autores de língua portuguesa.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Sempre um Papo com Frei Betto Reflexões sobre o Poder

Autor de 51 livros, editados no Brasil e no exterior, Frei Betto nasceu em Belo Horizonte (MG). Estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia. Frade dominicano e escritor, ganhou em 1982 o Jabuti, principal prêmio literário do Brasil, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, por seu livro de memórias Batismo de Sangue. Em 1986, foi eleito Intelectual do Ano pelos escritores filiados à União Brasileira de Escritores, que lhe deram o prêmio Juca Pato por sua obra “Fidel e a religião”. Seu livro "A noite em que Jesus nasceu" (Editora Vozes) ganhou o prêmio de "Melhor Obra Infanto-Juvenil" de 1998, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Em 2005, o júri da Câmara Brasileira do Livro premiou-o mais uma vez com o Jabuti, agora na categoria Crônicas e Contos, pela obra “Típicos Tipos – perfis literários” (Editora A Girafa).

Foi coordenador da ANAMPOS (Articulação Nacional de Movimentos Populares e Sindicais), participou da fundação da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e da CMP (Central de Movimentos Populares). Prestou assessoria à Pastoral Operária do ABC (São Paulo), ao Instituto Cidadania (São Paulo) e às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Foi também consultor do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Em 2003 e 2004 atuou como Assessor Especial do Presidente da República e coordenador de Mobilização Social do Programa Fome Zero. Desde 2007 é membro do Conselho Consultivo da Comissão Justiça e Paz de São Paulo. É sócio fundador do Programa Educação para Todos.

Prêmios por seu trabalho em favor dos Direitos Humanos.

Em 1987, recebeu o prêmio de Direitos Humanos da Fundação Bruno Kreisky, em Viena. Em outubro de 1990, ganhou o prêmio Dom Oscar Romero da Fundação Georg Fritze, concedido por Igrejas protestantes da Alemanha. Destinou-o à Comissão Pró-Central dos Movimentos Populares. Integrou, por cinco anos (1991-1996), o conselho da Fundação Sueca de Direitos Humanos. Em 1992, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) compartilhou com Frei Betto o prêmio The Right Livelihood, conhecido como Prêmio Nobel Aternativo, por sua contribuição à luta por reforma agrária e à construção do MST.

Em 20/12/1996, recebeu o Troféu Sucesso Mineiro, da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, dentro das comemorações do centenário da cidade. Na Itália, foi a primeira personalidade brasileira a receber o prêmio Paolo E. Borsellino por seu trabalho em prol dos Direitos Humanos, concedido em maio de 1998.

Também em 1998 foi homenageado pelo Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro com o Prêmio CREA/RJ de Meio Ambiente, e ganhou a Medalha Chico Mendes de Resistência, concedida pelo Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro por sua luta em prol dos direitos humanos. Prêmio Jabuti, ano 2000, pela obra coletiva Mysterium Creationes - Um olhar interdisciplinar sobre o Universo. No mesmo ano, recebeu do governo de Cuba a Medalha da Solidariedade e dos Conselhos de Psicologia do Brasil o Troféu Paulo Freire de Compromisso Social/2000.

Recebeu, em 2004, a “Ordem do Mérito Ministério Público do Distrito Federal e Territórios”. Em maio de 2005, numa iniciativa da UNESCO, Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e jornal Folha Dirigida foi eleito, por voto direto e secreto de um colégio eleitoral de 2.500 pessoas, uma das 13 “Personalidades Cidadania 2005”.

Em março de 2006 recebeu, por deliberação unânime da Diretoria Executiva do Instituto Brasileiro de Municipalismo, Cidadania e Gestão (Instituto Cidadão), a Medalha do Mérito Dom Helder Câmara em reconhecimento aos relevantes serviços prestados à Nação, na preservação e fiscalização da gestão pública moral e legal.

Em agosto de 2007 recebeu a Medalha Tiradentes, homenagem prestada pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Em outubro do mesmo ano foi agraciado com o título de Cidadão Honorário de Brasília.
Em maio de 2008, recebeu em Tarragona, na Espanha, o Prêmio Ones - Reconocimiento Internacional Foca Mediterrània, por sua trajetória e ações em prol do meio ambiente e da solidariedade internacional.