quarta-feira, 25 de maio de 2011

Nadine Gordimer no Roda Viva




Nadine Gordimer recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1991, chamando, mais uma vez, a atenção para a ignomínia que era o apartheid, na África do Sul. Disse, numa entrevista, que o dia em que se sentira mais orgulhosa na sua vida , não fora quando recebeu o Nobel, mas quando, em 1986, testemunhara num julgamento, para salvar as vidas de 22 membros da ANC, acusados de traição. Nadine Gordimer nasceu na cidade de Spings, no Transval, em Novembro de 1923, filha de emigrantes judeus. O pai era joalheiro, nascido na Lituânia, e a mãe originária de Londres. A mãe de Nadine impressionada com o modo como eram tratadas as crianças negras, abriu uma creche, para dar apoio gratuito a essas crianças. Nadine começou a escrever aos 15 anos, pequenas histórias que publicou com o nome de Face to Face, dez anos depois. Estudou na Universidade de Witswatersrand, Joanesburgo e viajou bastante por África e América do Norte. Casou duas vezes e tem uma filha e um filho, que vivem fora da África do Sul. Até 1994, Nadine já tinha publicado treze novelas , duas centenas de pequenas histórias e diversos livros de ensaio. Está traduzida em mais de trinta línguas e recebeu numerosos prémios e doutoramentos honoris causa. Para perceber a escrita de Nadine Gordimer é necessário conhecer um pouco da História do país onde nasceu e vive – África do Sul. A população branca é fruto da mistura dos primeiros colonos holandeses (chegados cerca de 1652) e franceses que a si próprios se denominavam africânderes (filhos de pai holandês e mãe hotentote) ou boers, e ingleses e alemães e que se lhes juntaram posteriormente. A maior parte das leis do apartheid surgiu com um governo ingtlês, em 1948, mas os holandeses e alemães que ali se fixaram eram convictos defensores da supremacia branca. Aqui o fulcro é o mesmo a luta contra o apartheid, que cujo fim Nadine Gordimer teve a alegria de presenciar anos depois da escrita do livro A Gente de July (1981).

Sempre Um Papo com Zuenir Ventura e Luís Fernando Veríssimo

Os consagrados escritores Zuenir Ventura e Luís Fernando Veríssimo estarão em BH na próxima quinta-feira, a partir das 19h30 para debate e lançamento do livro Conversa Sobre o Tempo (Ed. Agir). Resultado de uma conversa mediada pelo jornalista Arthur Dapieve, o livro apresenta um bate-papo dos autores, amigos há 20 anos, sobre diversos assuntos como amizade, família, paixões, política, morte e histórias pessoais. O evento está sendo promovido pelo Sempre Um Papo.

O tom descontraído e o constante bom humor de Luis Fernando Veríssimo e Zuenir Ventura são o ponto alto do bate-papo mediado por Arthur Dapieve e registrado no livro Conversa Sobre o Tempo. Uma deliciosa troca de idéias recheada com o contexto de 20 anos de amizade entre os dois consagrados autores, registrada em 5 dias de entrevistas pelo jornalista e também escritor Arthur Dapieve, em julho de 2009.

O livro é dividido nos seguintes temas: “Amizade e família", "Paixões", "Política" e "Morte" -, mas nada que restrinja demais o leitor. Como um livro de entrevista, os caminhos são sugeridos pelo entrevistador, um ponto de partida para uma viagem levada pela grande argumentação de Zuenir e Veríssimo.

Luis Fernando Veríssimo dispensa apresentações. Filho de Érico Veríssimo, grande nome da literatura nacional, herdou seu talento para contar histórias. O escritor nasceu em Porto Alegre (26 de setembro de 1936). Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje, com seu grupo, o ‘Jazz 6’. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho ‘Zero Hora’, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Suas crônicas são publicadas em vários veículos de comunicação do país.

O mineiro Zuenir Ventura tem passagens nos maiores veículos de comunicação do país. O jornalista traz em suas crônicas lucidez e atenção a problemas nacionais e a muitos outros temas do cotidiano. Atualmente, é colunista do jornal ‘O Globo’ e da revista ‘Época’. Ganhou o Prêmio Jabuti, em 1989, na categoria reportagem, pelo livro “1968 - O ano que não terminou”, que serviu de inspiração para a minissérie ‘Anos Rebeldes’, produzida pela Rede Globo. É autor de outros livros, dentre os quais, “Crônicas de um Fim de Século”, “Cidade Partida” e “Minhas Histórias dos Outros” e o último, lançado no ano passado “1968 – O que fizemos de nós”.


Por Priscila Armani


quarta-feira, 18 de maio de 2011

Educação,Por Mauro Santayana

"Um estudo de atitudes sobre educação entre elites brasileiras durante os anos 90 mostrou que as elites são frequentemente relutantes em ampliar as oportunidades de educação, pois trabalhadores educados seriam mais difíceis de gerenciar”, diz o relatório. Convém trocar o verbo “gerenciar” pelo correto: explorar.

Em princípio, essas três questões deveriam ser cuidadas pelos estados, e só de forma subsidiária pela União. O avanço do poder central sobre a Federação, iniciado discretamente no Estado Novo, não contido, como seria de esperar, pela Constituição de 1946, escancarado na vigência da ditadura militar e exacerbado durante o despotismo manhoso de Fernando Henrique, retirou dos estados, mediante legislação casuística, o que ainda lhes restava de recursos fiscais próprios. As relações políticas entre o Planalto e os governos estaduais, não obstante a postura de Lula, estão marcadas por essa violação do espírito federativo, tal como ele foi negociado e aprovado no pacto republicano de 1891.

A educação é o alicerce das sociedades políticas. Em 1848, em discurso no parlamento da França, Victor Hugo estabeleceu essa prioridade de forma definitiva, ao lembrar a grande revolução ocorrida em seu país, 25 anos antes, com a obrigatoriedade do ensino gratuito. O desenvolvimento intelectual, ele destaca, fora notável, pelo simples fato de que as pessoas pobres começaram a ler. “A multiplicação de leitores é a multiplicação dos pães”, disse o genial escritor e político. “No dia em que Cristo usou esse símbolo, ele anteviu uma impressora. Um livro nutre milhares, milhões de almas, toda a Humanidade”.

O grande problema da educação no Brasil está em sua base. Não estamos sendo capazes de ensinar bem as crianças a ler e a escrever. Há um ditado latino que afirma: “Quis scribit, bis legit” (Quem escreve, lê duas vezes). Ora, quem não sabe escrever, e, portanto, lê mal, como poderá continuar a educar-se e chegar à universidade? Sem uma educação de base forte – e não a temos, como a própria ONU reconhece – não formaremos os cientistas, técnicos e pensadores de que necessitamos, no processo de construção da nacionalidade. O governo Lula avançou bastante, mas a tarefa continua a ser dos estados. É preciso investir, com coragem, na formação de professores e em sua remuneração, enquanto há tempo.

A presidente Dilma Rousseff anunciou o propósito de negociar com os governadores e com os novos senadores as grandes questões nacionais. Muitos deles se elegeram empenhados na recuperação das prerrogativas republicanas dos estados. Ela, com sua experiência, o aval da grande maioria dos cidadãos brasileiros, e o exemplo de Lula, já demonstrou acreditar que política é, antes de tudo, a busca do entendimento. Essa mesma disposição, ela afirmou que terá em seu convívio com o Congresso como um todo. Trata-se de um pacto cotidiano, sempre renovado, e, nos pactos, todos perdem alguma coisa, para que o conjunto ganhe o essencial. Essa tarefa é facilitada por dois fatores: o aumento da bancada situacionista nas duas casas e a não reeleição dos adversários mais radicais do governo Lula, como foram, entre outros, os senadores Arthur Virgílio e Heráclito Fortes.

Já se articula a formação de um grupo de senadores, eleitos pelos partidos de oposição e da base aliada, para formar um bloco de centro, a fim de buscar a conciliação entre governo e oposição, em benefício da continuidade do desenvolvimento e da estabilidade institucional.

domingo, 15 de maio de 2011

O FMI E OS POBRES

Eduardo Hughes Galeano, mais conhecido como Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio, nasceu na cidade de Montevidéu, no dia 3 de setembro de 1940. Ele atuou como chefe de redação do periódico Marcha e também dirigiu o veículo Época, trabalhos realizados em sua cidade de origem. Neste período ele igualmente instituiu e administrou a revista Crisis, desta vez em Buenos Aires.

Exilado na Argentina e na Espanha entre 1973 e 1985, retornou ao Uruguai neste ano, fixando residência em Montevidéu. Autor de inúmeras obras literárias e jornalísticas, traduzidas em mais de vinte idiomas, ele exercita seu estilo literário compondo pequenas histórias que abordam desde temas políticos significativos no contexto histórico da América Latina até uma temática singela, enfocando fatos do dia-a-dia e até mesmo o futebol. Neste sentido, ele é considerado um escritor da estirpe de John dos Passos e Gabriel García Márquez.

Um de seus livros mais célebres e importantes é As Veias Abertas da América Latina, obra na qual narra em uma linguagem poética e arrebatadora, com intensidade ímpar, a terrível exploração que atingiu duramente os países latino-americanos, a qual provocou a extinção de vários povos, o extermínio de inúmeros habitantes da América Latina, deixando dolorosas cicatrizes e seqüelas que rasgam de ponta a ponta a região latino-americana.

Sua obra tem sido amplamente reconhecida e premiada. Nos anos de 1975 e 1978 ele conquistou o prêmio Casa de Las Américas; recebeu o Aloa, oferecido pelas editoras da Dinamarca, em 1993; sua trilogia Memória do Fogo foi condecorada pelo Ministério da Cultura do Uruguai; foi agraciado também com o American Book Award, pela Washington University, dos Estados Unidos, em 1989.

Posteriormente, em 1999, Eduardo Galeano tornou-se o primeiro escritor a receber um prêmio doado a quem contribuísse para a Liberdade Cultural, da parte da Lannan Foundation, do Novo México. Ele também foi homenageado com o título de primeiro cidadão ilustre do Mercosul. Em 2001, no mês de Dezembro, ele recebeu o título de Doutor Honoris Causa, concedido pela Universidade de Havana, de Cuba.

Algumas de suas principais obras são: De pernas pro ar, Dias e noites de amor e de guerra, Futebol ao sol e à sombra, O livro dos abraços, Memória do fogo (que inclui Os nascimentos, As caras e as máscaras e O século do vento), Mulheres, As palavras andantes, Vagamundo (todos publicados pela L&PM Editores) e As veias abertas da América Latina (lançado pela Editora Paz e Terra).

Fontes
http://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Galeano
http://html.editorial-caminho.pt

terça-feira, 3 de maio de 2011

A Terra e o Sangue,por Mauro Santayana




A terra e o sangue

"As reformas agrárias sempre foram atos de astúcia dos governantes e fazem parte da história das grandes democracias. Mas alguns se esquecem disso."

Por: Mauro Santayana

Publicado em 05/11/2009 na Revista do Brasil.

A CPI que os barões do agronegócio – e sua bancada no Congresso – querem mover contra o MST é perigosa provocação com objetivos eleitorais. Se a senadora Kátia Abreu e o deputado Ronaldo Caiado, seus vociferantes porta-vozes, dedicassem ao estudo da História parte do tempo que passam contando seus bois e verificando os limites de suas fazendas, seriam mais comedidos. As reformas agrárias sempre foram atos de astúcia dos governantes. Os homens se alimentam da terra, que produz e reproduz a vida, como é óbvio, mas alguns se esquecem disso. A primeira reforma agrária bem documentada, a de Sólon, na Grécia, ocorreu 594 anos antes de Cristo.

Naquele tempo os lavradores eram obrigados a dar aos donos da terra cinco sextos da produção, ficando apenas com um sexto para a ali mentação das famílias. A situação chegara a um ponto insustentável e, logo que eleito arconte (naquele tempo, principal governante) de Atenas, Sólon mandou libertar os servos, determinando a destruição dos marcos que limitavam as áreas trabalhadas pelas famílias, anulou os débitos dos trabalhadores e abriu caminho para que o Estado ateniense florescesse nos dois séculos seguintes.

Em Roma, a primeira tentativa de reforma agrária, a do nobre Espúrio Cássio, 486 a.C., foi abortada com o sangue de seu criador. A reforma agrária geral, encetada por Tibério e Caio Graco 350 anos depois, trouxe efeitos práticos, mas custou a vida dos dois irmãos, assassinados pelos nobres. A retomada da situação anterior, com sua injustiça estrutural, fomentou a grande Rebelião de Espártaco. Mas, se muitas das reformas agrárias romanas foram frustradas, Pompeu conseguiu realizar uma, de grande astúcia política. A fim de combater os piratas do Mediterrâneo, distribuiu terras nas costas férteis da África romana aos que deixassem a atividade. Foi a forma inteligente de liberar o mar para os barcos de Roma.
É mentira corrente que sem o agronegócio não seria possível alimentar o povo brasileiro. O agronegócio produz para exportar. Para o consumo interno, produz a sufocada agricultura familiar

Os latifundiários brasileiros alardeiam o direito de propriedade, a fim de impedir a reforma agrária. Em pronunciamento, no princípio de outubro, o desembargador Amílton Bueno de Carvalho foi incisivo: “Nós, juristas, podemos fazer a reforma agrária, sem nenhuma nova lei. Apenas exigindo o cumprimento da função social da terra, prevista na Constituição”. No caso brasileiro, 90% das grandes glebas foram griladas no último século. Se o governo promover a perícia nas escrituras lavradas, principalmente nas áreas de ocupação mais recente, descobrirá que quase todas as escrituras são falsas.

O MST, ao contrário do que diz a grande imprensa, tem evitado o pior. Reúne a esperança dos que habitam a miséria e contém a revolta latente dos desempregados e dos expulsos pelo latifúndio. Parte da classe média urbana ainda não percebeu que, sem a ocupação de terras improdutivas, a fome levaria a rebeliões sangrentas, como tantas ao longo da História. Em 1358, os camponeses de extensa região da França se revoltaram contra os nobres senhores. A revolta foi derrotada e sufocada com sangue, mas a nobreza, dizimada diante da ira dos pobres. Famílias inteiras dos barões e condes foram degoladas, poupando-se apenas as crianças. No Brasil, o que tem ocorrido é o massacre dos trabalhadores. Nos últimos anos, mais de 1.600 militantes foram assassinados por pistoleiros de latifundiários e forças policiais.

No caso recente da invasão da fazenda da Cutrale, as terras pertencem à União, que nelas estabeleceu uma colônia agrícola em 1909. O MST ocupa terras ociosas e ilegais. O Censo de 2006 revela 15 mil proprietários para 98 milhões de hectares. Um por cento dos donos controla 46% das terras cultiváveis.

Uma mentira corrente é que, sem as grandes plantações do agronegócio, não seria possível alimentar o povo. Ora, o agronegócio produz para exportar. Para o consumo interno, principalmente no interior do país, produz a agricultura familiar, que vem sendo sufocada pelos tentáculos do latifúndio, hoje negócio dos grandes banqueiros e corporações multinacionais.

Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros a partir de 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 1980


Leiam a reportagem da revista carta capital de 25/11/2009,entenderão do que se trata
o artigo acima:
Carta Capital: Kátia Abreu e o golpe contra os camponeses

Escrito por: CartaCapital


EM DEZEMBRO passado, a senadora Kátia Abreu, do DEM de Tocantins, assumiu a presidência da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) com um discurso pretensamente modernizador. Previa uma nova inserção social dos produtores rurais por meio de "rupturas" no modo de se relacionar com o mercado, o consumidor, o governo e a economia global. Pretendia, segundo ela mesma, "remover os preconceitos" que teriam isolado os ruralistas do resto da sociedade brasileira e cravado neles a pecha de "protótipos do atraso". Diante de uma audiência orgulhosa da primeira mulher a assumir o comando da CNA, Kátia concluiu: "Somos o que somos e não quem nos imaginam (sic)". Foi efusivamente aplaudida. E tornou-se a musa dos ruralistas.

Talvez, em transe corporativo, a plateia não tenha percebido, mas a senadora parecia falar de si mesma. Aos 46 anos, Kátia Abreu é uma jovem liderança ruralista afeita à velha tradição dos antigos coronéis de terras, embora, justiça seja feita, não lhe pese nos ombros acusações de assassinatos e violências outras no trato das questões agrárias que lhe são tão caras. A principal arma da parlamentar é o discurso da legalidade normalmente válido apenas para justificar atos contra pequenos agricultores.

Com a espada da lei nas mãos, e com a aquiescência de eminências do Poder Judiciário, ela tem se dedicado a investir sobre os trabalhadores Sem-terra. Acusa-os de serem financiados ilegalmente para invadir terras Brasil afora. Ao mesmo tempo, pede uma intervenção federal no estado do Pará e acusa a governadora Ana Júlia Carepa de não cumprir os mandados de reintegração de posse expedidos pelo Judiciário local. O foco no Pará tem um objetivo que vai além da política. A senadora, ao partir para o ataque, advoga em causa própria. Foram ações do poder público que lhe garantiram praticamente de graça extensas e férteis terras do Cerrado de Tocantins. E mais: Kátia Abreu, beneficiária de um esquema investigado pelo Ministério Público Federal, conseguiu transformar terras antes produtivas em áreas onde nada se planta ou se cria. Tradução: na prática, a musa do agronegócio age como os acumuladores tradicionais de terras que atentam até contra a modernização capitalista do setor rural brasileiro.

De longe, no município tocantinense Campos Lindos, a mais de 1,3 mil quilômetros dos carpetes azulados do Senado Federal, ao saber das intenções de Kátia Abreu, o agricultor Juarez Vieira Reis tentou materializar com palavras um conceito que, por falta de formação, não lhe veio à boca: contrassenso.

Expulso em 2003 da terra onde vivia, graças a uma intervenção política e judicial capitaneada pela senadora do DEM, Reis rumina o nome da ruralista como quem masca um capim danado. Ao falar de si mesmo, e quando pronuncia o nome Kátia Abreu, o camponês de 61 anos segue à risca o conselho literal da própria. Não é, nem de longe, quem ela imagina.

Em 2003, Reis foi expulso das terras onde havia nascido em 1948. Foi despejado por conta de uma Reforma agrária invertida, cuja beneficiária final foi, exatamente, a senadora. Classificada de "grilagem pública" pelo Ministério Público Federal de Tocantins, a tomada das terras de Reis ocorreu numa tarde de abril daquele ano, debaixo da mira das armas de quinze policiais militares sob as quais desfilaram, como num quadro de Portinari, o agricultor, a mulher, Maria da Conceição, e dez filhos menores. Em um caminhão arranjado pela Justiça de Tocantins, o grupo foi despejado, juntamente com parte da mobília e sob um temporal amazônico, nas ruas de Campos Lindos. "Kátia Abreu tem um coração de serpente", resmunga, voz embargada, o agricultor, ao relembrar o próprio desterro.



Em junho de 2005, Reis reuniu dinheiro doado por vizinhos e amigos e foi de carona a Brasília, a fim de fazer, pessoalmente, uma reclamação na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Na capital federal, alojou-se na casa de amigos, no miserável município goiano de Águas Lindas, e se alimentou de restos de almoços servidos em uma pensão da cidade. Aos técnicos da comissão apresentou documentos para provar que detinha a posse da terra em questão, de 545 hectares, desde 1955, parte da Fazenda Coqueiros, de propriedade da família, numa região conhecida como Serra do Centro. De acordo com a documentação apresentada pelo agricultor, uma ação de usucapião da Fazenda havia sido ajuizada em 8 de agosto de 2000.

Após esse ajuizamento, um vizinho de Reis, o também agricultor Antônio dos Santos, ofereceu-lhe para venda uma área contígua de 62 hectares, sob sua posse havia onze anos, cuja propriedade ele alegava ser reconhecida pelo governo de Tocantins. O negócio foi realizado verbalmente por 25 mil reais, como é costume na região, até a preparação dos papéis. Ao estender a propriedade, Reis pretendia aumentar a produção de alimentos (arroz, feijão, milho, mandioca, melancia e abacaxi) de tal maneira a sair do regime de subsistência e poder vender o excedente.



Ele não sabia, mas as engrenagens da máquina de triturar sua família haviam sido acionadas uns poucos anos antes, em 1996, por um decreto do então governador de Tocantins Siqueira Campos (PSDB). O ato do tucano, mítico criador do estado que governou por três mandatos, declarou de "utilidade pública", por suposta improdutividade, uma área de 105 mil hectares em Campos Lindos para fins de desapropriação. Protocolada na comarca de Goiatins, município ao qual Campos Lindos foi ligado até 1989, a desapropriação das terras foi tão apressada que o juiz responsável pela decisão, Edimar de Paula, chegou à região em um avião fretado apenas para decretar o processo. O magistrado acolheu um valor de indenização irrisório (10 reais por hectare), a ser pago somente a 27 produtores da região.



Do outro lado da cerca ficaram 80 famílias de pequenos agricultores. A maioria ocupava as terras a pelo menos 40 anos de forma "mansa e pacífica", como classifica a legislação agrária, cujas posses foram convertidas em área de reserva legal, em regime de condomínio, sob o controle de grandes produtores de soja. Na prática, os posseiros de Campos Lindos passaram a viver como refugiados ilegais nessas reservas, torrões perdidos na paisagem de fauna e flora devastadas de um Cerrado em franca extinção. Sobre as ruínas dessas famílias, o governador Siqueira Campos montou uma confraria de latifundiários alegremente formada por amigos e aliados. A esse movimento foi dado um nome: Projeto Agrícola Campos Lindos.



Em 1999, 47 felizardos foram contemplados com terras do projeto ao custo de pouco menos de 8 reais o hectare (10 mil metros quadrados), numa lista preparada pela Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Tocantins (Faet). A federação teve o apoio da Companhia de Promoção Agrícola (Campo), entidade fundada em 1978, fruto do acordo entre consórcios que implantaram o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (Prodecer) em parceria com o Banco do Brasil e com cooperativas de produtores.

Escrúpulos às favas, os dirigentes de ambas as instituições se esbaldaram nas posses de Campos Lindos. À época, a presidente da Faet era ninguém menos que Kátia Abreu, então deputada federal pelo ex PFL. No topo da lista, a parlamentar ficou com um lote de 1,2 mil hectares. O irmão dela, Luiz Alfredo Abreu, abocanhou uma área do mesmo tamanho. O presidente da Campo, Emiliano Botelho, também não foi esquecido: ficou com 1,7 mil hectares.

Dessa forma, um ambiente de Agricultura Familiar mantido ao longo de quase meio século por um esquema de produção de alimentos de forma ecologicamente sustentável foi remarcado em glebas de latifúndio e entregue a dezenas de indivíduos ligados ao governador Siqueira Campos. Entre elas também figuraram Dejandir Dalpasquale, ex-ministro da Agricultura do governo Itamar Franco, Casildo Maldaner, ex-governador de Santa Catarina, e o brigadeiro Adyr da Silva, ex-presidente da Infraero. Sem falar numa trupe de políticos locais, entre os quais brilhou, acima de todos, a atual presidente da CNA.

O resultado dessa política pode ser medido em números. De acordo com dados do instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção de soja em Campos Lindos cresceu de 9,3 mil toneladas, em 1999, para 127,4 mil toneladas, em 2007. Um crescimento de 1.370% em apenas oito anos. O mesmo IBGE, contudo, revela a face desastrosa desse modelo de desenvolvimento. No Mapa da Pobreza e Desigualdade, divulgado também em 2007, o município apareceu como o mais pobre do País. Segundo o IBGE, 84% da população vivia na pobreza, dos quais 62,4% em estado de indigência.

No meio das terras presenteadas por Siqueira Campos a Kátia Abreu estava j justamente o torrão de Reis, a Fazenda Coqueiro. Mas, ao contrário dos demais posseiros empurrados para as reservas do Cerrado, o agricultor não se deu por vencido. Tinha a favor dele documentos de propriedade, um deles datado de 6 de setembro de 1958 e originário da Secretaria da Fazenda de Goiás, antes da divisão do estado. O documento reconhece as terras da família em nome do pai, Mateus Reis, a partir dos recibos dos impostos territoriais de então. De posse dos papéis, o pequeno agricultor tentou barrar a desapropriação na Justiça. A hoje senadora partiu para a ofensiva.

Em 11 de dezembro de 2002, Kátia Abreu entrou com uma ação de reintegração de posse de toda a área, inclusive dos 545 hectares onde Reis vivia havia cinco décadas. Ela ignorou a ação de usucapião em andamento, que dava respaldo legal à permanência dos Reis na terra. Para fundamentar o pedido de reintegração de posse, a então deputada alegou em juízo que Reis, nascido e criado no local, tinha a posse da Fazenda Coqueiro por menos de um ano e um dia, providencial adequação ao critério usado na desapropriação. Para comprovar o fato, convocou testemunhas que moravam a mais de 800 quilômetros da área de litígio.

Incrivelmente, a Justiça de Tocantins acatou os termos da ação e determinou a expulsão da família de Reis da Fazenda Coqueiro e dos 62 hectares recém-comprados. Ignorou, assim, que a maior parte das terras era utilizada há 50 anos - ou, no mínimo, há mais de dois anos, como ajuizava o documento referente ao processo de usucapião. Reis foi expulso sem direito a indenização por qualquer das benfeitorias construídas ao longo das cinco décadas de ocupação da terra, aí incluídos a casa onde vivia a família, cisternas, plantações (mandioca, arroz e milho), árvores frutíferas, pastagens, galinhas, jumentos e porcos.

A exemplo de Kátia Abreu, os demais agraciados com as terras tomadas dos agricultores assumiram o compromisso de transformar as terras produtivas em dois anos. O prazo serviu de álibi para uma ação predatória dos novos produtores sobre o Cerrado e a instalação desordenada de empresas e grupos ligados ao mercado da soja. Até hoje a questão do licenciamento ambiental da área abrangida pelo Projeto Agrícola Campos Lindos não foi resolvida pelos órgãos ambientais locais. Mas nem isso a senadora fez.

Signatário, com outros três colegas, de um pedido de intervenção federal no Tocantins em 2003, justamente por causa da distribuição das terras de Campos Lindos feita por Siqueira Campos a amigos e aliados, o procurador federal Alvaro Manzano ainda espera uma providência. "Houve uma inversão total do processo de Reforma agrária. A desapropriação foi feita para agradar aos amigos do rei."

Há cinco meses, o agricultor Reis voltou à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Ele luta para forçar o Tribunal de Justiça de Tocantins a julgar tanto a ação de usucapião de 2000 como o pedido de liminar impetrado há seis anos para garantir a volta da família, hoje acrescida de 23 netos, à Fazenda Coqueiro. "Não tem força no mundo, moço, que faça essa Justiça andar", reclama o agricultor. Ele atribui a lentidão à influência da senadora no Judiciário local. Procurada por CartaCapital, Kátia Abreu não respondeu ao pedido de entrevista.

Quatro anos atrás, a família Reis conseguiu se alojar numa chácara de 42 hectares ocupada por um dos filhos há dez anos. Lá, quase vinte pessoas vivem amontoadas em uma casa de dois cômodos, feita de sapê e coberta de palha de babaçu, em meio a porcos, galinhas e cachorros. No terreiro coberto da residência, infestado de moscas, as refeições são irregulares, assim como os ingredientes dos pratos, uma mistura aleatória de arroz, mandioca, pequi, abacaxi, feijão e farinha. Toda vez que um motor de carro é ouvido nas redondezas, todos se reúnem instintivamente nos fundos da casa, apavorados com a possibilidade de um novo despejo.

Cercado de filhos e netos, Reis não consegue esconder os olhos marejados quando fala do próprio drama. "Fizeram carniça da gente. Mas não vou desistir até recuperar tudo de novo."

Em 19 de junho, um dia após a última visita de Reis à Câmara dos Deputados, o presidente da Comissão de Direitos Humanos, Luiz Couto (PT-PB), encaminhou um ofício endereçado ao Conselho Nacional de Justiça para denunciar a influência de Kátia Abreu na Justiça do Tocantins e pedir celeridade nos processos de Reis. O pedido somente agora entrou na pauta do CNJ, mas ainda não foi tomada nenhuma medida a respeito. Nos próximos dias, o corregedor do conselho, Gilson Dipp, vai tornar público o relatório de uma inspeção realizada no Tribunal de Justiça do Tocantins, no qual será denunciada, entre outros males, a morosidade deliberada em casos cujos réus são figuras políticas proeminentes do estado.

Há três meses, ao lado de um irmão e um filho, Reis voltou à Fazenda Coqueiro para averiguar o estado das terras depois da ocupação supostamente produtiva da senadora. Descobriu que nem um pé de soja - nem de nada - havia sido plantado no lugar. "Desgraçaram minha vida e da minha família para deixar o mato tomar conta de tudo", conta Reis. Com o auxílio de outros filhos, recolheu tijolos velhos da casa destruída pelos tratores da parlamentar do DEM e montou um barraco sem paredes, coberto de lona plástica e palha. Decidiu por uma retomada simbólica da terra, onde reiniciou um roçado de mandioca. Na chácara do filho, onde se mantém como chefe da família, ainda tem tempo para rir das pirraças de uma neta de apenas 4 anos. Quando zangada, a menina não hesita em disparar, sem dó nem piedade, na presença do avô: "Meu nome é Kátia Abreu".