quinta-feira, 1 de março de 2012

A ARTE DE SER FELIZ,POR CECÍLIA MEIRELES


A arte de ser feliz
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

domingo, 1 de janeiro de 2012

A Arte de Reinventar a Vida, Por Frei Betto


A ARTE DE REIVENTAR A VIDA.


Frei Betto

Finda o ano, incia-se o novo. No íntimo, o propósito de “daqui para frente, tudo vai ser diferente.”Começar de novo será? Haveremos de escapar do vaticínio do verso de Fernando Pessoa, “fui o que não sou”? Atribui-se a Gandhi esta lista dos sete pecados sociais:

1) Prazeres sem escrúpulos;

2) Riqueza sem trabalho;

3) Comércio sem moral;

4) Conhecimento sem sabedoria;

5) Ciência sem humanismo;

6) Política sem idealismo;

7) Religião sem amor.

E agora, josé?

No mundo em que vivemos, quanta esbórnia, corrupção, nepotismo, ciência e tecnologia para fins bélicos, práticas religiosas fundamentalistas, arrogantes e extorsivas!

Os ícones atuais, que pautam o comportamento coletivo, quase nada têm do altruísmo dos mestres espirituais, dos revolucionários sociais, do humanismo de cientistas como os dois Alberts, o Einstein e o Scheitzer. Hoje, predominam as celebridades do cinema e da TV, as cantoras exóticas, os desportistas biliardários, a sugerir que a felicidade resulta da fama, riqueza e beleza.

Impossibilitada de sair de si, de quebrar seu egocentrismo (por falta de paradigmas), parcela da juventude se afunda nas drogas, na busca virtual de um “esplendor”que a realidade não lhe oferece. São crianças e jovens deseducados para a solidariedade, a compaixão, o respeito aos mais pobres. Uma geração desprovida de utopia e sonhos libertários.

A australiana Bronnie Ware trabalhou com doentes terminais. A partir do que viu e ouviu, elencou os cinco principais arrependimento das pessoas moribundas:

1) Gostaria de ter tido coragem de viver uma vida verdadeira para mim, não a que os outros esperavam de mim. No entardecer da vida, podemos olhar para trás e verificar quantos sonhos não se transformaram em realidade. Por que não tivemos coragem de romper amarras, quebrar algemas, nos impor disciplina, abraçar o que nos faz feliz, não o que melhora a nossa foto aos olhos alheios. Trocamos a felicidade da pessoa pelo prestígio da função. E muitos se dão conta de que, na vida, tomaram a estrada errada quando ela finda. Já não há mais tempo para abraçar alternativas.

2) Gostaria de não ter trabalhado tanto. Eis o arrependimento de não ter dedicado mais tempo a família, aos filhos, aos amigos. Tempo para lazer, meditar, praticar esportes. A vida, tão breve, foi consumida no afã de ganhar dinheiro, e não de imprimir a ela maior qualidade. E, nesse mundo de equipamentos que nos deixam conectados dia e noite, somos permanentemente sugados; fazemos reuniões pelo celular até quando dirigimos o carro; lidamos com o computador como se ele fosse um ímã eletrônico do qual é impossível se afastar.

3) Gostaria de ter tido a oportunidade de expressar meus sentimentos. Quantas vezes falamos mal da vida alheia e calamos elogios! Adiamos para amanhã, depois de amanhã... o momento de manifestar o nosso carinho à pessoa, reunir os amigos para celebrar a amizade, pedir perdão a quem ofendemos e reparar injustiças. Adoecemos macerados por ressentimentos, amarguras, desejo de vingança. E, para ficar bem com os outros, deixamos de expressar o que realmente sentimos e pensamos. Aos poucos o cupim do desencanto nos corrói por dentro.

4) Gostaria de ter tido mais contato com meus amigos. Amizades são raras. No entanto, nem sempre sabemos cultivá-las. Preferimos a companhia de quem nos dá prestígio ou facilita nosso alpinismo social. Desdenhamos os verdadeiros amigos,muitos de condição inferior à nossa. Em fase terminal, quando mais se precisa de afeto, a quem chamar? Quem nos visita no hospital, além dos que se ligam a nós por laços de sangue e, muitas vezes, o fazem por obrigação, não por afeição? Na cultura neoliberal, moribundos são descartáveis e a morte é fracasso. E não se busca a companhia de fracassados...

5) Gostaria de ter tido a coragem de me dar o direito de ser feliz. Ser feliz é questão de escolha. Mas vamos adiando nossas escolhas, como se fôssemos viver 300 ou 500 anos. Ou esperamos que alguém ou determinada ocupação ou promoção nos faça feliz. Como se a nossa felicidade estivesse sempre no futuro, não aqui e agora, ao nosso alcance, desde que ousemos virar a página de nossa existência e abracemos algo muito simples: fazer o que gostamos e gostar do que fazemos.