domingo, 1 de janeiro de 2012

A Arte de Reinventar a Vida, Por Frei Betto


A ARTE DE REIVENTAR A VIDA.


Frei Betto

Finda o ano, incia-se o novo. No íntimo, o propósito de “daqui para frente, tudo vai ser diferente.”Começar de novo será? Haveremos de escapar do vaticínio do verso de Fernando Pessoa, “fui o que não sou”? Atribui-se a Gandhi esta lista dos sete pecados sociais:

1) Prazeres sem escrúpulos;

2) Riqueza sem trabalho;

3) Comércio sem moral;

4) Conhecimento sem sabedoria;

5) Ciência sem humanismo;

6) Política sem idealismo;

7) Religião sem amor.

E agora, josé?

No mundo em que vivemos, quanta esbórnia, corrupção, nepotismo, ciência e tecnologia para fins bélicos, práticas religiosas fundamentalistas, arrogantes e extorsivas!

Os ícones atuais, que pautam o comportamento coletivo, quase nada têm do altruísmo dos mestres espirituais, dos revolucionários sociais, do humanismo de cientistas como os dois Alberts, o Einstein e o Scheitzer. Hoje, predominam as celebridades do cinema e da TV, as cantoras exóticas, os desportistas biliardários, a sugerir que a felicidade resulta da fama, riqueza e beleza.

Impossibilitada de sair de si, de quebrar seu egocentrismo (por falta de paradigmas), parcela da juventude se afunda nas drogas, na busca virtual de um “esplendor”que a realidade não lhe oferece. São crianças e jovens deseducados para a solidariedade, a compaixão, o respeito aos mais pobres. Uma geração desprovida de utopia e sonhos libertários.

A australiana Bronnie Ware trabalhou com doentes terminais. A partir do que viu e ouviu, elencou os cinco principais arrependimento das pessoas moribundas:

1) Gostaria de ter tido coragem de viver uma vida verdadeira para mim, não a que os outros esperavam de mim. No entardecer da vida, podemos olhar para trás e verificar quantos sonhos não se transformaram em realidade. Por que não tivemos coragem de romper amarras, quebrar algemas, nos impor disciplina, abraçar o que nos faz feliz, não o que melhora a nossa foto aos olhos alheios. Trocamos a felicidade da pessoa pelo prestígio da função. E muitos se dão conta de que, na vida, tomaram a estrada errada quando ela finda. Já não há mais tempo para abraçar alternativas.

2) Gostaria de não ter trabalhado tanto. Eis o arrependimento de não ter dedicado mais tempo a família, aos filhos, aos amigos. Tempo para lazer, meditar, praticar esportes. A vida, tão breve, foi consumida no afã de ganhar dinheiro, e não de imprimir a ela maior qualidade. E, nesse mundo de equipamentos que nos deixam conectados dia e noite, somos permanentemente sugados; fazemos reuniões pelo celular até quando dirigimos o carro; lidamos com o computador como se ele fosse um ímã eletrônico do qual é impossível se afastar.

3) Gostaria de ter tido a oportunidade de expressar meus sentimentos. Quantas vezes falamos mal da vida alheia e calamos elogios! Adiamos para amanhã, depois de amanhã... o momento de manifestar o nosso carinho à pessoa, reunir os amigos para celebrar a amizade, pedir perdão a quem ofendemos e reparar injustiças. Adoecemos macerados por ressentimentos, amarguras, desejo de vingança. E, para ficar bem com os outros, deixamos de expressar o que realmente sentimos e pensamos. Aos poucos o cupim do desencanto nos corrói por dentro.

4) Gostaria de ter tido mais contato com meus amigos. Amizades são raras. No entanto, nem sempre sabemos cultivá-las. Preferimos a companhia de quem nos dá prestígio ou facilita nosso alpinismo social. Desdenhamos os verdadeiros amigos,muitos de condição inferior à nossa. Em fase terminal, quando mais se precisa de afeto, a quem chamar? Quem nos visita no hospital, além dos que se ligam a nós por laços de sangue e, muitas vezes, o fazem por obrigação, não por afeição? Na cultura neoliberal, moribundos são descartáveis e a morte é fracasso. E não se busca a companhia de fracassados...

5) Gostaria de ter tido a coragem de me dar o direito de ser feliz. Ser feliz é questão de escolha. Mas vamos adiando nossas escolhas, como se fôssemos viver 300 ou 500 anos. Ou esperamos que alguém ou determinada ocupação ou promoção nos faça feliz. Como se a nossa felicidade estivesse sempre no futuro, não aqui e agora, ao nosso alcance, desde que ousemos virar a página de nossa existência e abracemos algo muito simples: fazer o que gostamos e gostar do que fazemos.